domingo, 24 de julho de 2011

Eu estava no terraço do Bastião, meio perdido no meio das pessoas. Sim, meus ecos são cacofônicos por excelência e a excelência é o nome para a inércia quando ela é benquista e assumida, ou assim me rezam os evangelhos apócrifos aos quais me dedico a escrever com as palavras que roubo nessas noites mesquinhas de prazeres pequenos.
Uma certa soberba também me acossou enquanto me dirigia para um dos vértices do terraço, muito bem gradeado diga-se passagem. O Bastião era baixo, mas sou covarde, e seus quatro andares de cinza e promiscuidade adolescente me assustam - morrer lá seria antes por mal-gosto do que por fatalidade - além disso, já estava muito tarde para me fiar tão somente no meu equilíbrio.
Era um ritual que já não me trazia mais grandes revelações, a não ser a da obviedade disso tudo. Sim, a questão da obviedade que já me faz tão clara e intuitiva mas é obscura para você, meu caro Outro.
Antes, me era requerida toda uma bravura particular para desbravar as sendas daqueles que viriam para preencher as minhas. Um blefe, um desafio descarado e um orgulho inegável pelas recusas que construíram todo um ego artificial, um rosto por cima da máscara, que hoje é mais uma das várias faces gorgôneas e divertidas que tenho para combinar com meu guarda-roupa sensato e sensual. Me forjei na brasa dos toques alheios, moldado por mãos que não as minhas, mas sempre dirigidas pelo meu projeto maior e secreto: o silêncio por si mesmo, por excelência, vício da preguiça.
Enfastiado das minhas próprias surpresas, desses exercícios de gêneros, verdadeiras punhetas criativas, eu me abri - é tão bom quando as palavras são idôneas aos fenômenos que devem expressar - ao alheio e apreciei os resultados, tanto pelo apelo estético que da minha estoicidade provinha quanto pela promiscuidade ao me relegar aos planos mais rasteiros das relações, porque eu nunca fui tão ingênuo quanto eu deveria, como se eu estivesse uma oitava acima da que eu deveria estar devido a um falsete, um truque. Um truque dentro de um truque como se alguém além do meu Outro pudesse apreciá-lo devidamente. Mas também nunca me apresentei para as multidões. Sempre fui um artista de pequenos espaços e atmosferas espessas, os discretos e os arruinados me entendem melhor do que ninguém.
Enfim, era um jogo sangrento e sujo e eu adorava, porque no mais último era sempre eu contra eu - não tinha como eu perder então - mas agora, se tornou repetitivo, mas o que fazer no lugar disso?
Em outros tempos, essa descoberta do mágico como óbvio, teria me pesado mais do que meus doces de domingo. Mas agora eu era um pouco mais forte e cretino, sabia como escapar.
Ainda assim, era com um genuíno pesar e voyeurismo que eu me forçava a me imaginar desesperado e me jogando daquele triste prédio virulento. Sou romântico às vezes, e sei, portanto, extrair beleza da diafaneidade da pele inerte que se estenderia sobre as pedras portuguesas que restam na calçada.
Gosto de pensar que eu jazeria com o pescoço esticado e minha veia mais saliente se externaria trágica na minha palidez mórbida, reluzindo em acordo com meus olhos vazios. Meus cabelos revoltos pela última vez na curva de seus cachos e meu tronco alongado e deformado pela queda. Apenas um certo pudor conferiria beleza à cena - uma reverência de reconhecer o dano e a tragédia, como ver um quadro com cores das quais não se gosta, mas que não impedem o apreço da obra. Gosto mais ainda me me crer como alguém capaz de tais juízos, a morte é o de menos.
Enfim, no aguardo de novas pessoas com as quais me exercer na minha gloriosa condição de belo ser da noite, eu meditava arrogante sobre minhas paixões e meus labirintos. Como eu me diminuía nesses ecos, reconhecia ao menos que certos dias eu dava performances dignas, mas não mais me bastava aqueles trejeitos vocais e os abraços de entrega. A chama do ritual oscilava cada vez mais, fazia-se notar a ausência de uma nova vela a sustentar a velha chama, e não estava lá definitivamente.
Minhas meninas estavam felizes e bêbadas, deixei-as lá por capricho. Era um sinal claro de poder sair sozinho e ganhar o escuro das ruas só para si. Foi com certa tristeza e enfado que me percebi como esse misantropo envelhecido pelos transportes nas próprias linhas do rosto - novamente, é muita masturbação e eu já estava muito temperado pelos artifícios mais segundos para me contentar com isso.
Parto com meus deuses e deixo as luzes do Bastião para trás. A manhã se anuncia apenas nos meus olhos que já vem as cortinas e os versos que reservo para elas na minha lassidão - não sei o que lassidão significa, mas o meu hoje já é um ontem no início do meu amanhã; está muito tarde e a verdade também dorme de madrugada no ônibus junto comigo - posso tudo no meu sono acordado, e me permito o ócio e a inatividade. Dou os passos finais dessa jornada fragilizado pelo frio e tocado pelas gotas torrenciais de um dia que começara depois de algumas reflexões - falo do tempo meu, secreto e torto, que muitas vezes pára e retoma veredas até então abandonadas como lembranças. Viva à memória de mim e dos meus muitos amores anônimos - tenho uma mordida no pescoço e durmo fácil, sou uma putinha de filme hipster auto-referente - e viva à cultura

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