quinta-feira, 28 de julho de 2011

Monstro

Chega um momento em que o verso não me basta. É hora do sujo, é hora minha. 
Nessas horas de desespero é que eu me lembro dos grandes medos, e atravesso seu palco com uma coragem fingida que todos reconhecem como tal, mas não mo dizem. É tudo parte do espetáculo. Sou agora, mesmo canhestro, um equilibrista, e sob minha tênue linha, jazem setes reinos hindus de céu e infernos. Sobre minha cabeça, tudo aquilo de que eu sei menos ainda e cuja vista me ofusca os lábios, que se fazem pétreos e opacos.
Pode o nômade carregar sua vida com toda a sua dor, posso realmente dar-me com a leveza renovada de uma primavera aos mesmo ritos que por essas sendas malditas me encaminharam? Eu que nem tenho o conforto do divino culpar? Que sequer posso o dedo torto, em riste, apontar?
Ah, mas eu devo. E que cada passo seja uma maldição a essa história, que eu morra essa criança tola e expectante em todas as encarnações de minha ímpar existência, que eu me torne, enfim, o monstro que sempre vislumbrei nos espelhos, cuja iniquidade, o sardônico pensar refletia o brilho nas ilhas ermas da noite, que eu adentrava modesto, um visitante.
Se Monstro enfim, eu me vou para à noite e sei o seu cheiro, sinto suas cores no vento frio, que corta da pele, as doces e pueris esperanças. É a noite a hora da inclemência, pois é o seu vento frio que revela aos homens o pequeno e torpe mal que lhe são suas esperanças, um veneno tosco exposto à luz negra, e que dá então, aos seus vassalos a chance de  morrer em glórias dos caminhos inacabados, eles que singram distâncias enquanto sangram na cama, unidos na insígne dor de um desamor antigo e primeiro, cujas manifestações são as máculas de suas frontes atormentadas e retorcidas - sim, é uma batalha pela dignidade mais básica de um andarilho; uma luta sem glória que não a própria de se fazer anônimo à dor, invisível ao amor e escapar de toda a metafísica.
Então, é ao luar que o Monstro agora se mostra, sem seus dentes, sem suas garras. Traz em si apenas, um olhar cego que carrego com quieta dignidade, sem valores, sem moeda que não a própria escaramuça na pantomima privada das pequenas emoções que vexam o véu singelo da mocidade casta em suas promiscuidades.
- Encerro aqui, nesse lugar que faço sagrado, as grutas mais ermas do meu ser. Que repouse aqui, as minhas chamas mais brandas e ternas e tenha eu, a gentileza de não as perturbar mais. Ganho a noite sem esperar pela minha aurora.
É com alívio que me deixo e me torno aquela parte mais revolta do vento, que se faz na calada das horas e insufla o vôo da cinza dos momentos. Sem perdão, sem violência, apenas monstro, apenas isso que é, e aparece sempre faminto e esgarçado em suas forças, aborto da vontade e do amor-próprio, e que se olha com a grata surpresa de quem encontra um pictórico estranho e adivinha no cheiro de chuva que vem pelo ar, que nunca mais o verá

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