segunda-feira, 12 de março de 2012

Aos maus amantes

Aos maus amantes
reconheço a grande herança
no que toca a leveza dos meus dedos
em costurar-lhes à respectiva lembrança
um feitiço antigo e doloroso
o qual pago com o sal do suor
e de outras lágrimas

Tenho minhas palavras e tenho memória
tenho todo um pequeno teatro do amor em mãos
tenho uma ampla oportunidade de lhes consertar as faltas
dotá-los de gênio e malícia quando não a tiveram
muní-los da força que lhes esvaiu dos lábios
quando do seu não e do seu beijo
talhá-los à forma das vastas legiões que sempre dominaram meus sonhos desde a infância

- Só eu aterro fogo às minhas culturas mortas e violento as minhas mulheres e lhes privo de seus homens. Vocês são quem me assistem calados ser o amor todo que vocês não puderam.

Avalon

Não mais ilhado
envolto na parca bruma
Eu sigo o torto pé,
o oblíquo dos ramos e dos ventos

Perdido na terra das fadas
eu me recuso a dormir
e escapo de minha redentora alegria

- Houve um tempo em que tudo me era longe
eu era uma pequena rocha insígne em sua preciosidade
agora, cioso de meus dias como quem tece uma mortalha...

- Houve também aqueles que me cantaram a morte longínqua
e a eles eu sempre saudei como que em desconforto de lhes voltar a vista.

Ele viu os fantasmas em grandiosoas aparições, mas nunca lhes comunicou o seu grande medo. Era sozinho e o sabia perfeitamente pois nunca o deixava de sê-lo - e assim, experimentava a alteridade em todo o seu terrível e vazio duplo obrigatório: fizera do mundo a hidra de muitas cabeças e fizera também muitas hidras. Um dia, ele talvez quebre o espelho e veja que existe vida e que até agora ele não foi vivo.
 
No passo dos dias em noites
e das danças em quedas
cascateia a luz da aurora
que o brilho nos olhos adivinhou
quando me fora sentenciada a grande ordem

Ao seu comando,
fiz me frio e desapegado
matei tudo em mim que não servia
provei da minha carne
e me embriaguei do fel
que me conservara até então imóvel
(em âmbar, pré-histórico antes de antigo)

Daquele asco,
quedei em sonhos
sequências vivas
de rodas medievais
e outras torturas atuais
fogo e fogo; fogo em púrpura
católico em rigores
como um inverno às avessas

Perdi-me em desertos floridos
e campos de mares revoltos,
prados de relva rachada e seca
sem nenhum dia em que a luz não incendiasse numa estrela já morta
os astros, lá longe, brincavam em sua luz com a minha
me aturdindo em minha pequenez
e me despertando presa ciente das suas

Por fim, me despedi das minhas mãos
dos meu trejeitos
da minha voz
Cortei eterno as matas densas
e no sujo e no urbano perene dos homens
fiz minha casa num momento
que ressoa até agora nos ouvidos
como um gongo ao qual espero paciente
o fim do compasso lerdo e claudicante

- Maturo-me em um pulso mais forte e num tom mais agudo
Acabo a elegia de um segundo que divido comigo mesmo
num instante baixo e mesquinho de trânsito congestionado