quinta-feira, 30 de junho de 2011

Needles & Pins (Acupuntura)

Cada agulha, eu rio de nervoso.
Atado no meu lugar, na minha postura
a ortopedia do meu bem-estar assim me dita
e cada pequeno furo no poro
cada pequena invasão de mim
eu rio e rio ainda mais
não há porquê, não é tortura
mas é cada violência a que me submeto
para me poder sentir são nesse mundo louco

terça-feira, 28 de junho de 2011

Aftermath dos dias 23 e 24 de maio de 2010

É que, sabe, eu
não tenho muito pra oferecer
e espero muito menos
Mas ainda assim eu queria
um silêncio de mim
que eu soasse no todo
do oco do meu corpo
e só a estática.

Como naquelas noites terríveis
quando se chega em casa de madrugada
e todas as janelas estão fechadas
e a casa estufa um som tão violento
que eu invejo pela fatalidade com a qual se faz ouvir

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Amor

Pisa-me verme e não me verás
brilhar nas cores proibidas do ocaso

Ata-me insano e não me terás
a desvendar a bruxa na bruma

Cala-me vela e não me arderei
mais em sopros de súplica

Sangra-me como em rito porém
e me amas como quem despreza
e me terás todo como o amor
se dá torto e a quem não merece

Acústica

No fim, foi tudo um delírio
de tão má literatura,
que sequer espero o amor acabar.

Sou pequeno e acabo bem aqui,
onde a deixa me impele
ao meu bom nunca mais.

E se alguém me dissesse
dos caminhos e das vidas,
eu diria não e sentiria o pescoço em brasas

Algo extraviado na garganta,
só mais um amor de compensado
oco para eu me perder no eco

terça-feira, 21 de junho de 2011

Insider

E agora você me olha
e eu sou aquele que tudo pode
que pode passar, que pode se esvair em dias
e que comigo só você continua e eu fico
e eu nunca escolhi isso,
mas esse detalhe é só para mim
comos os trapos dos quais faço nesgas redes
e deito a cabeça sobre,
como se pudesse esperar um sonho bom
no qual você gostaria de estar comigo
não importando o quanto isso pudesse nos doer
E daí, juntos até o nunca mais.

domingo, 12 de junho de 2011

Estava escuro e era ela sozinha naquele canto privilegiado, escolhido palco de seu delírio, cuja vista para as paredes nuas seria capaz de desvanecer em ondas suas pequenas loucuras. Estava assustada e seus olhos eram grandes como os de um animal sem mais do que um lugar num esquema maior do que todos as bestas sobre a terra, brilhavam orbes débeis e claras, clarabóias do claustro ermo e úmido.
Ria um pouco para si, como se o tempo fosse por isso suspenso e julgasse tudo por um absoluto em lâmina fria e seca. Nada era mais real do que uma mentira, nada era mais real que as pequenas coisas que ninguém nota com ela.
Aquele pavor todo, um horror que lhe imobilizava pela garganta, em garras recurvas, lhe dizia no tato brusco que aquela podia ser a hora que toda a razão abandovana os homens à sua própria sorte. Agora, as regras seriam outras e ninguem poderia entendê-las. Estariam todos sós.
Das sombras tudo podia vir. O quarto era pequeno, bem mobiliado, leve. Ninguém diria que algo tão terrível pudesse ser comportado por aquele quarto. Qualquer coisa mais do que um sofá lá seria rídiculo e não poderia respirar se ainda vivesse, era um quarto de atmosfera plástica e agradável, convidando o perigoso e o cruel para fora de maneira exemplar. Lá só se poderia morrer de placidão, nada mais faria sentido a não ser essa tragédia. Mas agora, ela já não tinha tanta certeza disso.
Era como comprar sapatos quando criança com seus pais. Os corredores tinham cheiro de qualquer coisa que não as que os olhos viam, mas não era nada distinto. As comidas, as pessoas, as plantas e os bancos, tudo isso era paisagem, tudo que parecia respirar e exalar eram as roupas e, particularmente, os sapatos.
As lojas de sapato, ricas no couro étero a aspergir docemente as narinas, subiam pelos dutos quase que sólidos, e ela, tão inocente, achava que tocar nisso era possível, mas algo como um código tácito sob o qual ela jurou observância antes de entrar no shopping a impedia de o fazê-lo. Não queria que ninguém olhasse para ela como olhavam para as roupas e os sapatos, queria não ser olhada como todas as outras pessoas que não estavam tirando dinheiro de suas carteiras.
Estar agora no quarto escuro, sentir que poeira podia se acumular sobre seus ombros como sobre os móveis a fez pensar que vivia após o mundo que a acolhera tão calorosamente indiferente até então. Parecia que só agora que vivia algo como um "eu", e experimentava o gosto de tudo, e era possível provar o doce como um toque ou o cheiro de mofo como uma frequência especial. Era o fim do mundo e nada mais importava, estava livre e morava com dois estranhos, ela mesma e um homem na sala, vendo alguma coisa na televisão - se lhe dissessem que amanhã todos os homens andariam de cavalo entre os carros parados ela acreditaria porque já não mais se importava com qualquer coisa que fosse e a verdade era privilégio daqueles que amavam o mundo como era.
Não mais, ela só era capaz de aceitar do mundo tudo que ele pudesse projetar sobre ela, passivamente. Passiva esquiva ela era inantigível enquanto estivesse parada olhando para aquelas paredes, parada naquele canto.
Estóica, ela persistia, desafiando o mundo todo que vem junto antes e depois dela. Ninguém poderia lhe atribuir um sentido ou razão para aquilo, só por estar parada ela se sentia tão fantástica quanto um unicórnio, quanto um réptil em seu couro pantanoso. Ela por dentro, sem externar nada, estava terrível - não queria derramar a glória que se agitava no seu imo, com risco de que tudo se acabasse ao ser desvelado o mistério em uma forma tão pedestre quanto a de uma loucura privada e conjugal à meia noite; não, ela queria mais, queria em cada ponta de unha a arranhar a parede ser sádica, e não provar nada com isso, e seguir eternamente desapegada de um propósito a embalá-la, a ensacá-la em algo que não a deixava respirar por sua pele.
Ela, que antes fôra tão patética, tão adequadamente medíocre, com seu cabelo louro e curto e liso, tão plana em sua pele clara, recoberta por uma fina penugem auréa, com um nome simples, quase mnemônico se recitado com o sobrenome do pai, capaz de definí-la geneticamente. Naquele instante porém, ela podia finalmente rir-se dela, adivinhar o sexo jamais plenamente satisfeito a crepitar um esgar sob suas roupas, invisível e indolor, mas sobrepujante ainda assim, e até mesmo rir alto disso tudo, para todo mundo ouvir. Todo mundo agora era o tudo que não ela, por mais que isso fosse óbvio só agora ela podia perceber claramente o que era ser sozinha e mulher e gostou.
Ela ia começar a imaginar que estava olhando por uma janela, como se para deixá-la mais confortável e inspirada para pensar numa paisagem nova e inventada, de sua autoria reconhecida e assumida, quando a porta se abriu e a luz do corredor cortou a fantasia como só uma luz pode cortar o negror das maravilhas que se escondem no além-mundo dos homens que reverenciam o mítico e o desconhecido, isto é, a mágica.
Seu filho se aproximou desajeitado dela, não muito acostumado a escuridão do cômodo. Era uma criança esperta e percebia os vestígios sangrentos do que lá se passava até pouco, mas não o bastante para se sentir responsabilizado por trazer o sentido de volta para lá. Olhou para a sua mãe com uma boca expectante, como se visse um monstro que sempre esteve lá - anos mais tarde, se perguntaria como o pai pôde alguma vez se medir com uma mulher amazônica como aquela, capaz de esmagar tudo com um olhar que se recusava a dar por um certo desprezo e pudor; ele que era tão homem e dado, tão certo e suprimível, e ela que não era muito mais que isso, talvez até menos, mas talvez fosse esse o motivo, a explicação do possível e do crime que daí poderia se seguir - e pediu a janta, ou qualquer coisa. Ninguém escutou ao certo, de tão fixos que estavam em seus papéis de opositores num jogo de vontades ocultas e pulsantes.
Ela olhou para ele, o efeito de sua jornada introspectiva ia se desfazendo lentamente, e o fez com um carinho genuíno e volátil, de graça. Tomou o pela mão e foram para cozinha, olhava-o de cima e percebia seus ombros pequenos, suas pernas finas e o quão fácil aqueles dedos quentes quebravam. Ele já tinha quase sete anos e nessa idade todo o charme da primeira infância estava frágil e as imperfeições futuras já se maturavam; ela pôde perceber como aquele nariz do filho lhe seria um problema, coitado.
Não se deu muito trabalho, abriu um pote de biscoitos, pegou uns quatro e deu pro filho numa cumbuca branca de plástico e colocou um pouco de leite para esquentar no fogão. Está noite ela dormiria apenas depois de se pentear como uma princesa, como uma aristocrata amarga que via em cada madeixa refletida na penteadeira uma pista de felicidade fugidia, está noite e todas as que se seguissem dela, ela seria toda dela mesma, ciente de que ninguém podia amá-la tão bem quanto a estranha que olhava para ela dos dois lados do espelho.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Noite em duas partes

depois pensarei num amor
e depois em outro
e assim eu passo de sonho
em sonho como quem
não quer nada além
do que já tem

um corpo sozinho no leito
e o pulso quente escondido
debaixo de todos os panos
para me descortinar,
como se o mistério fizesse
do deserto, o paraíso

Imperial Hotel

E assim, sem muita conversa eu me deixo
quero rir de mim à uma certa distância
como se eu fosse um estrangeiro de outro tempo
sentado sozinho numa mesa de hotel
tomando seu café-da-manhã
senhor de todo um plano e rotina
que não lhe tolhe em nada
o total destaque de todas
as outras peças da minha vida

Porque a hora que puder abdicar
de me divertir com minhas dores
das minhas fúrias eufóricas
é o momento que eu me torno surdo
ao eco da solidão, e vivo cego
para um mundo vazio de homens
e vasto para o delírio anônimo de um só coração

Escadas

Ninguém entende que quando eu amo
com meus olhos arregalados
ou com a cabeça inclinada para baixo
com meus lábios abertos para o branco do dente
e eu penso numa música ou num verso
eu me volto para tudo que não eu
pois eu tenho dentro de mim
tudo aquilo que morre quando as luzes se apagam
toda vez que eu desço as escadas
e os meus pés estão no ar, sem degraus
e eu penso no quase-fim, todas as manhãs
e é isso que me faz amar forçosamente
que me faz ser uma criança sempre mentirosa
porque no fim das contas, eu não duro mais que um dia

sábado, 4 de junho de 2011

Você(s)

- Eu queria que tocasse "The Last Time I Saw Richard" enquanto almoçávamos hoje. Mas, que você visse a sutileza que lhe toco a cada gesto e não me perguntasse nada. Que talvez você entendesse porque, para mim, ser triste não exclui ser feliz e o quão perto de me desfazer no vento eu estou e só restar de mim um chamado brutal e subentendido nas engrenagens da cidade e das ruas. Mas, então, já não estaríamos mais aqui e nada importaria tanto assim de fato. Sim, lhe falo do futuro nosso. Pode agora ver o quão péssimo eu lhe sou? Diga que não, por favor, mesmo que enfim você saiba que sim. Às vezes eu posso ser tão fraco, mais quase sempre eu quase não existo.

- Já você, tão anônimo e nômade em meu coração, você não teria o meu perdão. Não sentiria jamais o sal da minha absoluta anistia em glórias de ganas e pequenas paixões. Não sentiria, porque eu sempre quis me expor, que me pegassem em flagrante e me despissem de minha divindade e de minha figura, que me rissem ricamente, que minha vergonha lhe dilatasse as veias e esquentasse o seu sangue morno - isso que é o meu desejo, o resto é tão pornográfico, quase Bergman e eu não quero isso pra mim. Então me repudie, me renegue, me humilhe em gélido silenciar que essa é a minha hora mais primeira e sublime e dela eu posso ir para onde eu quiser para nunca mais. Só para que eu agradeça ao nada que me escuta tão sempre eu lhe chamo, e lhe deixe enfim. É só mais um elo na corrente, e não será você, de todos, aquele a quem deverei a honra e a vingança ao partí-la. (De tão fácil que é, até eu posso me ser elusivo)

- E claro que eu lhe deixei pro final, você é o grande arquiteto disso tudo. Você foi meu Deus, meu céu e inferno e tão sem metafísica que até hoje eu me espanto com quantas coisas eu ergui sobre um nada quase negativo e insípido, mas não com o quanto eu amei, se não você, algo que me foi dado que não fazia sentido atribuir senão a você. Porém, me resta pegar os meus pedaços reflexos no chão e partir e ser meu próprio começo, senão para ser meu derradeiro Ícaro. Se há algo que posso lhe creditar com certeza é descoberta do meu direito ao drama e da culpa sem pecado, apenas por prazer.

Odisséia

Quando eu danço, sabe, eu sou só eu
sem nada, sem palavras, sem arte
sou só uma criança que cresceu mais do que devia
como todas as outras, ah
mas você poderia me dizer que eu provei da maçã
que eu sei em cada poro o segredo
ou que eu o adivinho nas bocas ao meu redor
cujo sussurro de desespero é a cadência da música
e que eu sou culpado e cruel, ah
mas então eu diria, ostentando cada vértice
da minha éfige demoníaca, que eu posso
E eu sinto daí todas as quedas e águas
se vertendo sobre a minha cabeça
e, Deus, permita-me acreditá-Lo só agora
para que desse tudo eu faça um sentido
e que ele seja o mais belo de todos,
porque mesmo tão forte quanto,
às vezes, eu sinto poder-me ser
eu ainda preciso fechar os olhos e dormir
e crer que a vida não se acaba num escuro absoluto
como um desmaio num beco sujo e anônimo
mais urbano do que humano