segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Inocente

Agora eu serei mais mentiroso:
o trato pequeno com os sentimentos
é o crime inaudito da gentinha,
a constância de uma bela face
é o olvido oportuno de um amor maior

Por fim, quanto mais falso eu for
por quantos mais aros de circo
minhas palavras tiveram que saltar
mais me salgo nos mares de Circe -
minha consciência e astúcia serão
fadas gordas e infantis mequetrefes

Enfim, poder amar breve os raros homens
que suscitam no horizonte de minha juventude
 a camada fina de glória que começa os dias frios
do trabalho e do esforço malogrado que não serão meus
enquanto queimo a língua num café barato,
à espera de um encontro com a minha tão desejável Queda

domingo, 24 de junho de 2012

Elisa, vida mia

Papai não gosta quando as pessoas na rua me cumprimentam. As pessoas são homens e passam rápido - ele não os vê direito e não sabe mais ver nos meus olhos o que eu quero. Eu pacientemente explico a conexão e a desnudo daquilo que nela ele pôs de maneira indevida, quando por tais homens meu corpo passou sem mácula no contato.
- Ah, papai! Quando é verdade que ninguém me toca? Soubesse mais ele do amor, ele me veria no jogo de amante, o qual eu só sei encetar quando nele eu me insiro de troça e crueldade - quando eu caso e paro minha vida por exemplo, só para saber o gosto. Às vezes penso que meu pai só me faz chorar porque ele me trata como uma de suas amantes anônimas do passado - não tem como ter pai sem se pensar como o rebento oportuno de uma feita da qual ele se arrepende; por ele mesmo, ele nunca teria tido um filho como eu.
E depois de tudo eu descubro que ele me ama e que eu o traio com o mundo todo. Descubro que todos os homens transam com o filho de meu pai e de mais ninguém. Só que eu nunca estou lá!
(Eu não posso fazer isso por ele - lhe dar a glória de viver eterno no ciclo dos homens que passam rápido e roubam de outros homens o amor de sua prole)
Não que eu seja frígido, mas os homens nunca precisaram de muito coisa para amar. Eu sei porque também não deixo de ser um deles, e mesmo assim, papai quer me matar apaixonado com seu amor de monge, que se abrasa e consome no toque que não se dá, mas que ele ensaia com os mais ternos movimentos - porque depois de pai, papai não transa mais - só se relembra dos tempos em que era da minha idade e que poderia me odiar acaso cruzasse comigo pelas ruas, assim como os homens dos quais hoje ele sente ciúme quando me olham com o carinho de uma foda passada.
Por pequenos truques que aprendo das almas de amantes furtadas, escondo-me nas trevas pequenas de um quarto em apartamento. Meu rosto é escuro e à condução do espelho se revela que esta nas mãos o toque enegrecido do tempo convertido em carne. Olho calmo para a mão aberrante e negra de carbonização indolor.
- Queimou há mais tempo do que a minha primeira loucura de ciúmes. Quando pensei que não era bonito para papai. Que ele nunca me olharia do jeito que os homens que me ignoram me olhariam se o fizessem alguma vez - isso seria uma libertação.
(Mas eu não sou essa pessoa porque minhas mãos são todas brancas e macias ao toque e sabem fingir que obedecem ao comando da voz antiga. Eu minto, minto e minto e morro mais uma vez do que eu precisaria se fosse honesto. Mas eu quero uma vingança maior do que papai e seu amor velho de arrependimento e de mundo). Quero ir até atrás do espelho e ver o deus pequeno do caos do dia à dia.
Quero ir até lá e não sair dos seus olhos misteriosos e ocos, aqueles olhos de vaca que pregados em Hera dão aos gregos o elogio que nunca foi feito às mulheres (pois que elas não o mereceram de fato - não como eu e meu demônio-esposo primeiro). Sentir na sua divina imaterialidade o calor dos amores que escorrem por minha boca sem o profanar da cerimônia. Ver crescer os cornos do diabo de todos os cristos que morrem patéticos pelas ruas sujas de toda terra santa do pequeno homem sujo que meu pai teme me comer em sua cama, quando ele sai para trabalhar.
E eu amo meu pai, da maneira porca que se ama um homem que morre para os segredos do amor, quando só então eles se fariam disponíveis! Com pena e satisfação! Quando é por ritos muito mais antigos e violentos que invoco no reboco das paredes de meu quarto, as assombrações mais viris de um mundo apagado que se adivinha nos espelhos das artes divinatórias. Que me levem para seus infernos e me matem de tédio e asco, que afoguem minha dignidade nos córregos mais sujos e que eu saia de lá meio morto, sem poder saber o que é respeitar outro homem - muito menos outra vida.
Oh, papai! Custa-me dizer isso, mas não lhe tenho em pensamentos quando um homem goza dentro de mim. Quando engano os homens, não lhe engano - pois quero lhe trair sempre com a leveza de quem não sabe ironizar. Sou sincero, mas isso não convém a cama, por isso, jamais lhe convido ao meu leito.
Por ora, venci os meus maiores escuros e noites de infância e sinto-me morto. Como se eu esperasse alguma coisa. Mas meus ossos quebrariam todos ao meio peso de uma mentira inacabada - a de que eu preciso de você. Porque eu firmei meu caminho tão sozinho de mundo e vida, que mesmo agora, sem nada, nada eu sei que você pode me dar. Porque eu reneguei seu amor muito antes de saber que o teria de fazer em algum momento.
Porque eu odiei minha mãe antes de te odiar. Porque eu a traí muito antes de tudo e jamais a perdoarei. Porque eu terei todos os homens do mundo antes dela e os ofertarei, em lembrança, aos mais altos sacrifícios que minha irrestrita fé no absurdo do deus cego e bovino permite. Deitarei homens em pasto para o meu plano mestre de infância tenra e olvidada sobre as dobras dos lençóis. Levei a vingança ao seu próprio nó e a devorei no meio do caminho - para quê? Para que mesmo a própria pergunta, se eu aprendi com os deuses ruminantes que nada vale a pena ser perguntado se não para enganar um terceiro - em seus olhos vazios aprendi que o sentir mais primitivo já é a enganação maior que se faz ao viver e que para tanto é preciso parasitar uma fêmea vazia prenha das memórias moribundas de um amor afoito e adolescente, por mais de nove meses e pagar o preço por isso, tendo que viver num regime de amor e família, quando tudo que se tem são dentes e unhas pequenas e inúteis que requerem uma finesse de crueldade, que não se ensina nas escolas, para serem bem empregados.
Mas matar os deuses não é algo que faz quando se tem fome ou frio. É preciso ser mesmo sagrado em sua fúria para poder banhar-se em seu sangue e colidir um paraíso com os cumes indignos da Terra e andar ateu pelo que restar.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Não pode ter mais do que isso num só momento. Um pequeno furto, ninho de pensamentos roubados para o meu consolo instantâneo - passando apressados como senhoras metodistas de algum lugar ermo no coração velho da cidade.
Testar a precisão das pontas afiadas do corpo na própria carne uma vez mais - há regojizo onde se pode exclamar a existência em sangue e esgar de cego e de voz. Este é um lugar mesquinho, mas para mim é secreto e duro em riquezas. Um santuário cujos patronos são o meu certeiro descaso e incurável juventude, filhos bastardos de outros maiores pecados meus.
- Eu não quero me sentir bem. Isso não é pouco ou muito - é além do desejo e da sorte. Mas não me cai bem.
Não me veste bem o disfarce de algo doce e calmo, pois que anseio pela superficialidade horizontal de um pequeno córrego, que o fluxo das ruas um dia haverá de enterrar vivo. O que de ignominioso aguarda nas fileiras secas da areia e do pó, decantado decalque desbotado de todos os tempos ainda não toados?
Algo do qual não ouso suspeitar ou adivinhar - um pressentimento é um arrepio patológico crônico nas cabeças tortas das crianças - que não pode se aproximar de mim sem que eu viva tudo aquilo de novo e setenta vezes sete vezes outras (sempre mais uma e nenhuma a mais de cada vez). E agora, saber doer nos ossos aquilo que há de bom e dourado dos dias e dos ventos felizes da tarde.
Mas saber esperar é algo que eu não sei. Há muito de idiotia e infantilidade no meu habitar-em-mim das horas todas da vida - não é algo que se ensine ao rosto, como não corar perante à infalível prova? porque matematizo, tenaz, as dobras dos meus dedos e juntos de um a um, sem pressa nenhuma; cercado e secreto por um véu de fantasmas invisíveis que se parecem com os irmãos e amantes que nunca tive.
Voltar ao outro e primeiro lado de mim, como se eu nunca tivesse sempre já nele estado, mesmo porque o mundo é tão sempre muito maior e isso assusta, porque é igualmente bom por isso. Visitar-me e sentar desconfartável na mobília velha e desgastada - severa - em tons fechados que roubam a luz dos olhos que lhes assentam. Opaco; um grito de surdo-mudo ao fundo. Ocaso das cores e dos dias. Restam aos meus pés, as horas infindáveis da morte já anunciada - inescapável batalhão que eu me sou quando da minha fatal execução por traição - morro a morte dos loucos que riem do deus por ignorância e maldade.
(em sonho invoco a dádiva primeira da fome e do querer-tomar-roubar do mundo. mas não é no sonho que vivo a exegêse de um erro eternamente prolongado - a vida em cores da história não contada do que vive além dos dias e sem o tempo em cinzas apagadas do cigarro primordial da negligência balzaquiana da vida burguesa)
- Ah, mas às vezes os dias são tão bonitos e parece que todos com que eu cruzo na rua, me sorriem de volta, tão ternos e gentis. É besteira pensar que as gentes podem falar alguma coisa do que acontece dentro de alguém que é sujo e poluído como todos os rios o são de vida. Um segredo comum dos homens os previne de escarar a falta de decoro que são as emoções mais complexas e sofridas de nossos edifícios mais altos e de granito mais antigo.