quinta-feira, 31 de março de 2011

Fim de madrugada

Ria tolamente para si, enquanto testemunhava o final de mais uma noite. Fora em si, sozinho, uma orgia, no seu proceder sorvido em vapores de oferenda à Dionísio, mas tão cedo se fez o dia, ele se apagou como um incenso e se reacostumava ao real cheiro do ar.
Andava e guardava a cabeça baixa, cônscio do tesouro que carregava nas lembranças recentes, como se receoso de que as furtassem ao adivinharem as sensações.
Por que, afinal, este lhe era um agir ainda estranho. Esse trilhar coletivo de emoções pequenos e vitórias tão mínimas que nem se podem ter como mesquinhas lhe era novo e desejável como novidade. No fundo, protegia esse maravilhamento com si e com a vida do que o que propriamente se deu. No mais, era todo doação à atmosfera, cedendo cada gota de suor à umidade mística que facultava a ocorrência de uma noite tal qual aquela que tinha se passado.
A rua era longa, mas era uma curva longa e não acentuada contornando a orla e isso o tranquilizava. Essa exposição à um destino certo e fácil lhe dava um conforto que corria paralelo sem se conflitar com a dor que sentia nos pés e nas costas.
Como eram divertidas essas pequenas revoluções, saltos de pulgas que provocavam no bater do coração uma certa arritmia de sensações e lhe faziam ser todo olhos e língua e ser nú por debaixo das roupas. Nunca fora tão fácil me fazer companhia, ele pensou.
O olhavam como encarariam um guerreiro que voltava do campo de batalha ainda orgulhoso da armadura outrora imponente, agora escangalhada e suja de sangue. Será que sangrava? A dúvida não lhe era séria e só aumentava seu contentamento cretino. Por que ser sério? Por que perguntar e ver, e não apenas olhar passivamente? Não importava mais, teria que seguir até o fim como a espuma do mar que se quebrava em luzes nesse início de manhã e não se materializar em nada, permanecendo uma crisálida insólita, cuja essência era arrastada pelas ondas até as reentrâncias da noite que passou.
Essas noites sem sono fora da cama, cada vez mais frequentes, não chegavam a lhe inflingir uma dúvida, mas fomentavam o crescimento de uma verdade em bolha, que não tardaria muito a se turgir e em pus cobrir todas os dogmas que até então lhe eram diretrizes finais e cabiveis à suas verdades raciocinadas.
Seria uma verdadeira revolução racional isso. Ao se descobrir mais animalesco, primitivo e imediato do que realmente achava ser - ou ao menos uma face que assim se mostrava em suas linhas e lábios - toda sua anterior síntese do que ele era também era passível de se mostrar errada, exterminando assim as maravilhosas quimeras que lhe pululuavam a mente e o faziam crer em anjos e demônios sem céu e inferno, só culpa e tempo em gravidade, que o quedava imóvel e atolado em consciências enlameadas e pastosas.
Não mais, por que, oh, mas sim; era tão pequeno! Tão simplesmente e livre tolo! Sofrera até então por que se levara a sério demais, mesmo quando se desacreditava e se subtraía - por que no íntimo se traía? Porque acreditara em nada que fosse divino ou satânico, ou sequer terrível, como o elo que os unia, apenas acreditava que era culpado, aceitava o pecado sem crença e anônimo, que lhe pesava o sexo como chaga. Assim, se diminuía todo, pois era dotado da perspectiva daquilo que se crê integrado num universo, mas tinha essa linda visão, que o tornava tão irmão daquilo que era mínimo como uma formiga e eterno e sem fala como uma rocha, deturpada por essa culpa, talvez, tenha lhe sido a real placenta, constituíndo-o então, mesmo recém-nascido, um ser com toda a carne em culpa! Não mais.
Era agora acessível a si mesmo, capaz de ver as linhas que permeavam os movimentos do que vivia - que nem ele agora vivia - ou de, mesmo quando não cansado, apenas enxergar a maravilha compacta do que era andar e dar passo após passo e o mundo não acabar. Pois se anda sobre uma esfera. Não é mera coincidência que essa também seja a forma do planeta, pensou com paixão e geometria.
A cada velhice e infância que vivia nos segundos da manhã e tarde e noite que se seguem em aparente ordem, as distâncias se mantiam iguais do centro, da origem. E ele podia voltar, já que havia matado os falsos ídolos, o antes e o depois, e no altar-coração do interno só honrava o sempre e o não-sempre, o instante efêmero, que não se deve confundir com o mito do nunca. Pois nunca tinha sido tão fácil entender, como ele entendia agora a cada bater do seu coração, sentido-se delimitar pelo sangue que ia até as suas pontas, se sentindo reflexivamente sentindo a si próprio era um tato tão caro e múltiplo, que teve receio - mas não medo - de se desfazer diluído e dissolvido no contato com o mar que molha salgado dentro do ser.
Seguia o entorno da orla e o Sol já brilhava alto e lhe sorriam os ossos ao contato do calor primordial, pois os animais a sua maneira também podiam se alimentar, mesmo que só filosoficamente da luz. Imaginou o quão belo se fazia agora que podia se amar de forma tão leve e sem tragédia, sabendo que podia ser feliz só porque também podia ser igualmente triste e isso era tão desejável quanto prático. O mistério não se impõe entre o eu e o entendimento, pelo contrário, o misterio é a extensão esotérica dele, e talvez ele quisesse crescer místico, mas a ciência de que em gênese era simples a verdade, e que ele nasceu dela, tal qualquer coisa que é, mesmo inorgânica, lhe libertava, não das tristezas mas do sofrer exacerbado e orgulhoso. Chorava lágrimas contidas pelo funeral de seu orgulho, o pecado mais forte e corpóreo porque nasce apenas na culpa e na falsa aceitação dela. Agora, sabia e aceitava a verdade sensorial e imediata como uma cor e um cheiro de impossível descrição mas de inata compreensão. Se fez tão leve que se perguntou se os pássaros também não principiaram por andar semelhantemente tão leves que por fim acabaram por voar?
Chegou em casa, banhou-se e comeu. Tudo tão intransitivo, mas tão direto, que dormiu e só acordou muito depois que abriu os olhos espantandos e se viu numa casa que não a dele, repartindo de uma cama e um amor que não lhe eram estranhos. E não teve medo, só se levantou e escovou os dentes.

terça-feira, 29 de março de 2011

Delírio em cativeiro

Não sei o que é isso, sério, mas juro que não estava sob nenhuma influência psicotrópica.
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Não, não nasci nas sombras. Sou réu culpado, cativo da corte das Maravilhas e dos Prazeres e seu mau juízo que conflagra a verdade de mim - forasteiro! - e me prende ao mundo que chamam de real, sem ter a decência de continuar a me açoitar as costas.
Seria bondade demais para eles. Apenas um par, uma dezena, uma centena ao acaso, arrítmica e claudicante. Nem mesmo na dor que me infligem encontro o refúgio da certeza, se ao menos soubesse, ou melhor, ao menos se tivesse fé - que se explodam os homens, nigromantes da ciência e das artes, o maior invento humano é a fé redentora de que há um fim, e de que se deve rezar a Morte como a maior das divindades - que existir era a dor, a submissão, a resignação ao que me é incômodo.
Ser incômodo, torto, se contorcer para poder caber e pertencer e ter as costas nuas quentes e maculadas por outro que não um homem, e portanto ascender ao divino - divina dor - seria um alívio.
Mas me mantém refém toda a corja dos levianos. Me seduzem. Me seduzam, por favor, não parem, mas acima de tudo não me ouçam. (Eu não quero ser entendido).
Cada emoção, cada querência, cada ato, é uma cor infernal que explode em enxofre e som que ninguém mais nota não sentir além de mim. O amarelo é estrépito e plástico queimada, correr é azul e fritura, e fazer amor é cinza e têm - com acento pois tal arte se dá em vários - olor de felicidade furtada. Explode essa merda de mundo num caleidoscópio de cores, numa cornucópia de pródigo bacanal sensorial até que se tenha a gana última - a de cobiçar o ato de querer parar - e cristaliza-se o homem em eterna vítima, pois sendo no homem a busca, qualidade inata, ele se torna um filme de si mesmo.
Porque tudo é um filme. Sim, não há Deus, nem beleza, só filmes. Por isso os odeio.
Tudo já aconteceu por que algum algum dia teve de começar e começar é a ação mais terrível que se pode ensaiar. O começo domina as circunstâncias que o origina e tal qual temido infante cruel, toma para si tudo que pode dos fins que já se acabaram, pois sequer começaram - tinham muita consideração para com a realidade para que quisessem fazê-la acontecer - e dá a falsa impressão que se descortina continuamente. Mentira!
Eu sei, por isso estou preso. Saber me prende no granito e me talha no mármore e me rouba  da água que sou e não posso verter. Não chovo, só choro e continua impune o começo a não continuar. Olhai bem para ele e verás que ele já se findou em si sem ao menos acontecer.
Nada principia ou acaba, apenas divide com realidade o fato de que o terrível há, e o é com deleitável vilania.
As ilusões de um mundo que não eu me cercam e me afagam, querendo me domar, querendo que eu queira. Eu quero vencer e portanto já perdi, me perdi de mim.
Cortado do meu caule, do meu gérmen, que se perde e esvai nas ondas dos dias rumo  a diferentes praias da orla dos anos, sinto-me sozinho nessa miséria particapada e compartilhada com cada ser vivo que como eu anseia por viver da placenta do mundo e por luxúria comer de sua terra como se da carne do mais servil amante, eu me orientei em minha própria trilha errante rumo às brumas.
Volátil é o éter e mais ainda as emoções que pulsam o plasma para o meu coração - cada pulsação é uma prova de amor do além que me diz, a toda contração, toando o dístico “Ainda/Vives” - que ódio da misericórdia, onde estão as graças mesquinhas. Sim em brumas eu me perdi e só conservo a visão, pois dos sentidos é o único de que não me valho para caminhar entre as sombras de mim mesmos e dos gases rarefeitos que compõem o genoma das experiências - inflamáveis por excelência.
Mas mesmo em brumas, eu permaneço tonto pois o mundo ainda gira só para mim e para me espreitar a toda e qualquer alegria que roubo dele, pois eu não sei do segredo - e por favor não o conte para mim. O segredo, eu o sei no dizer dos homens, dos bichos e das cores, mas não na língua que gosto de atribuir aos anjos e as águas e a tudo mais que não adveio da primordial estática - eu sou o mundo em toda sua essência que escorre pecaminosa pelo ralo, desejosa da fonte.
Então, com muita simplicidade eu lhe pergunto, me amas? Se me amas, não ouse me salvar de mim mesmo, pois eu me amo muito mais do que jamais poderíais. Não existes. Eu menos ainda, sou negativo, sou elétron. Eu não estou aqui, eu nunca estive aqui.
Eco nas brumas, preso entre meu dentes. Eco. Porque eu posso. Eco. Porque amo. Eco. Venci.

Travessia

Sentia fome, mas estava desperto e o caminho lhe era claro. Errar por ele podia, não, era a única opção sustentável. O aroma lhe era familiar, o cheiro das brumas se assomando no horizonte e tudo se tornava mais oblíquo, porém não mais subjetivo do que o real normal das coisas.
Na cadência dessas sensações tudo lhe caía lógico, enquanto os feixes se prolongavam do centro que era o seu íntimo e nadavam: rumo ao mistério? rumo ao amor, não, não se nada rumo ao amor, só nele se cai e se afoga tão somente a pretensão à humanidade que todos os animais conscientes dividem entre si sem saber, tal é o isolamento proporcionado pela faculdade do pensar, julga-se que o indivíduo é a expressão máxima da ação e que sua condição de existência é estar acoplado a um “eu” que renda todos os outros à acessórios.
Sim, nadava, ou melhor cooperava com a correnteza que o tragava pelo córrego que sangrava o nevoeiro com uma matiz de vida tão própria a tudo que é água.
Pensara até pouco atrás no amor, mas o que dele conhecia senão os jogos, os olhos de amante e a intenção última de morte? Morrer em vida, subviver, ria, afinal diante dos desejos - e a vazão se acentuava apesar dos meandros - como eram naturalmente dicotômicas as suas vontades.
Se até então, sozinho, ansiara por transitar por todas as esferas da existências, pelos vales que se configuravam no relevo das emoções, onde o magma é a inconstância da condição humana e, portanto, os acidentes geográficos se dão em velocidade assustadora e as cordilheiras se formam escarpadas mesmo quando cercadas por um deserto nublado pelas neves eternas e os mares se morrem em ondas que não chegam à nenhuma orla, por que essa ambição nova e tão perigosa, por que se subtrair desse conhecimento e se recolher, nem ao menos a si, mas à ausência do caminhar ao estacionar tão abrupto e... por que não molhar os dedos e os lábios na doce atmosfera líquida da vida?
A jusante era próxima e breve se anunciaria o trecho da travessia nas brumas que ele mais temia - e apreciava consequentemente - quando a atmosfera se faria pesada e tudo de etéreo, ele incluso, não mais se dissiparia devido ao seu novo peso e se  reconfiguraria em uma nova forma, mas graciosa ou não, isso irrelevante perante sua capacidade para a excelência da sobrevivência.
Lá se apresentariam seus monstros, lá estariam soltos toda volúpia e conspiração que permeavam sua existência e atiçavam o movimento perante aquilo que reluzisse. Ah, e ele só queria ser leve, mas a leveza talvez lhe provasse um encargo digno demais para a sua atual postura hedonista e indulgente para com suas faculdades.
Onde estava o asceta? A faceta de Vênus que era divina? Cairia como máscara, ou crescera outro rosto sobre a mesma? Era contra esse devir que ele lutava, ao profanar o amor, ele visava descer até a morte, e ver a face do ídolo de lábios costurados, cuja cabeça que se projetava do peito, invertida, denunciava-o como um igual aqueles nascidos no lado errado do desejo.
A água agora só lhe chegava até os joelhos e ele tinha sede, mas dessa água não se bebia, pois se disse, independentemente da veracidade disso, que devei se abster de sangue e ele respeitava o plasma da vida, sabia que queimaria sua boca ao sorver o gosto do pecado destilado na língua e o tudo era pintado no limiar do azul com o roxo, num lilás tépido e aguado.
Estava em casa e não mais cansado. Ao mesmo tempo, estava assustado pois as sombras haviam chegado até lá, seguido seus rastros pela água e uma silhueta lhe fitava por entre as cortinas que a névoas, agora tão visível e pesada era um organismo em vida e força. Ele temia, mas sentia um ânimo obsceno lhe tomando conta. Com que garras atacaria aqueles monstros e com quantos dentes que lhe irrompessem por cada osso de seu corpo lhes morderia - até na sua violência ele se tornara um pouco de sexo - e com que gozo comemoraria igualmente seu êxito ou derrota? Qual a glória que maior lhe adviria em vida do que morrer em sonhos assaltados pelas brumas que se tornam contra seu criador no seu momento de maior humanidade?
Desmascarar o real, sua aparente constância e fidelidade a sua natureza de coisa que existe e não comporta nada que também não seja real, sim, além da morte, esse era seu desejo mais recorrente, tanto que não era desejo, era intenção e, portanto, galvanizava, secretamente todas as ações dele rumo à essa meta. Restava saber se morreria Midas em ouro com a querência última fracassada, inerte e paralela à sua experiência e para sempre inalcançável em seus braços inúteis de ouro fúlgido.
As sombras se aproximavam e a silhueta lhe olhava com olhos invisíveis de presa e tudo cheirava a brincadeira de criança e ele estava satisfeito. A névoa se levantou e ele pode ver o que sempre lhe atiçara a curiosidade - por debaixo da névoa só se erguia mas névoa, a verdade não se esconde, ela é clara e então ele só pode estar longe dela. Ele tencionava chegar à verdade fazendo o caminho inverso, mas os monstros desvendaram o mistério da sua repentina decaída, afinal, ele não era um Lúcifer e os olhos não eram ocos.
Não, não lhe deixariam entrar tão facilmente em seus mistérios.

domingo, 27 de março de 2011

Preguiça

Cresça manhã, cresça manhã, disseram os meus braços a se expandirem em direção ao teto, ainda com a boca amarga de noite e o ventre dilacerado pelo parto dos sonhos.
Era na manhã que era feliz. Apenas nela conseguia deslumbrar a maravilha do testemunho da existência dos pequenos infinitos. Enquanto todos ainda acordavam, todo ele era corpo para o que se anunciava e fazia dessa promessa de matina um dia inteiro sem ter que se levantar.
Era rei de uma cama, que ora vazia ou compartilhada, limpa ou suja, ou antes que cama nem colchão ao menos, era dono de todo aquele espaço e nele vencia.
Vencia os relógios que tocavam em todo hemisfério oeste da grande orbe; o avanço do tempo no mundo dos homens e o clamor das águas raras por ajuda; o desejo da vida de se drogar todo dia em algo qualquer que não ela própria; o canto dos santos druidas que afundaram na Atlântida em cima de emplumados dinossauros; e os olhares reprovadores das brancas paredes que refletiam todas as cores por serem fracas e covardes demais para absorverem alguma. Vencia todas as provas terríveis que lhe tentavam alertar amiúde que era jovem e tolo.
Ah, mas ser jovem numa manhã que nunca acaba, proclamar guerra entre os travesseiros e lençóis e servir torpemente de mediador entre eles! Ou então, mais maravilhosamente, falar não consigo mesmo, mas com todos aqueles que ainda vão nascer, rasgar o tempo com a voz e falar, e quem sabe, até mesmo dizer alguma coisa - será que no futuro conseguirão os homens falar menos e dizer mais? Será que há redenção para uma língua viciada no falar? Que não haja então!
O silêncio seria sua punição. Porém, em tal penitência ele encontraria a glória mais absoluta...
Sim, não mais falar, ser livre para dizer com todo som que seu corpo pudesse produzir, esticar a perna longa e fastidiosamente e riscá-la em arco, como se fosse a ponta de um compasso incrivelmente preciso; olhar e refletir nos olhos a luz captada das estrelas que refulgiam além do Sol, refletir a cor de brilho que viajou por milhões de anos até aquele segundo de percepção; ou então nada. Não faria nada se o silêncio o abrigasse, lhe servindo de amante e de abrigo, só tentaria existir. Concluiu que seria mais honesto apenas, se não falasse.
O passado, o futuro, a espécie, de nada lhe serviam tais reflexões perante o espectro de infinito que lhe descortinava, não só aquela, como todas as manhãs de sua vida, uma miríade de possibilidades para o dia.
Agora, sua mão circulava em gentis carícias sobre as costelas, tal qual um cumprimento entre velhas amigas! ah, mas não se engane, eram bem mais que isso, eram cúmplices numa grande trama que até hoje ele não intuia a existência. Aquele corpo só lhe parecia seu, aquela pele só fazia de cubrir a verdadeira derme...
Começa ele a falar, talvez em pensamento, talvez de fato, mas em ambos os casos ainda preso num sonho “Sonhei com seu cheiro ontem, enquanto lhe exprimia a essência para adoçar o meu café e...” 
O feitiço expirara. Estava agora deitado, mas era desperto. Havia um dia cheio e cinza para ser atravessado e um breve idílio suspenso como um folêgo roubado a ser esquecido. Era ele um homem e tinha pernas, e tinha que se por a andar.

Ressaca

Com uma violência muda
me fizeram recuar em mim mesmo
então eu, líquido arredio,
imagino em maravilhas
em qual matiz azul do mar
eu cresço onda e tenho
por vingança e sem saudades,
uma ressaca
e já não penso mais
na pulsão dos remorsos e culpas

Intruso

Porque eu entrei lá e era intruso,
e por minhas mãos eu as via todas
e nós andamos tão separados, eu e você
Que naquela multidão eu te soltei,
e nas minhas mãos ficou a marca de sangue
do intruso que eu era arrancado do seu coração
Enquanto me empurravam e eu pedia perdão
Eu era intruso e então não mais,
Eu fui embora e te reecontrei
Te dei um beijo e me deixei ali
Intruso jogado fora de mim
E não me encontrei mais

Grand Opening

Nesse cantinho inóspito e hostil, eu estendo minhas garras e pleiteio pelo meu direito de livre e espontânea expressão. Àqui, relegarei meus devaneios e idílios sob os quais mascaro minha ociosidade com arfares de literatura, e quem sabe, com isso, e consigo um refúgio e um silêncio todo meu.