quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vida doméstica

Recostado num canto do quarto, ajustando as costas nos lados das paredes, em meio aos lagartos, ele observava - não sem um certo horror - o lugar desolado em que ele se encontrava agora. A casa de proporções e mobiliário pobres, seu pó e inquilinos secretos e inumeráveis. Talvez, sequer fossem lagartos, de fato, mas lagartos era tudo que sua vista alcançava em suas campanhas medrosas por tão desterradora realidade. Que luz medonha não era aquela que trazia tais imagens para seus olhos e fazia de seu tato um eterno mentirosos dos infindáveis terrores que o cercavam lá.
Andavam rápidos pelas paredes. Trespassavam os limites que antes fixavam a casa como quebra do interno ao externo. Chegavam tanto pelo telhado quanto pelas janelas e pelas frestas da porta, dependendo do tamanho. Independentemente do tamanho, mesmo um lagarto pequeno já era lagarto demais. Algo como uma miopia psicológica o impedia de observá-los com sincero afinco. Tudo que sabia deles era seu jeito desengonçadamente veloz de se locomover por onde ele não o poderia, sua cor escura, matizada entre o verde e o azul bem fortes e fechados até o preto. Talvez, tivessem até dois olhos e um coração. Mas não precisariam desse tipo de descrição enquanto habitassem a casa - e a sua vida - como legião. Estava sitiado.
Pó e lagartos. Só isso acompanhava os seus dias naquela casa. Às vezes, se estressava tanto com seus pequenos solavancos de espanto pela casa, em seus procederes de manutenção paliativa - que mais lhe permitiam esquadrinhar as regiões dominadas pelos répteis do que realmente zelar pela habitação - com os insetos mortos e as carreiras desesperadas dos escamosos rastejantes e sem idade, quando ele dava por abrir uma porta que até então parecia uma dispensa eternamente fechada, que ele esquecia de qualquer outra vida que não fosse aquilo.
Que não fosse dormir num colchão velho e furado e vendo no preto dos olhos fechados, milhões de pequenos olhos negros que brilhavam estranhamente no candeeiro de seus medos infantis, ou então, sentindo as cócegas nervosas que seu corpo lhe simulava no suava contato com o lençol furado, ele se punha facilmente a pensar em pequeninas e infinitesimais aracnídeos subindo por suas pernas debilmente descobertas. Quando terminassem de tomar a casa, tomariam a sua carne e lhe despedaçariam em seu sono, que nas suas elaboradas elocubrações, mais se assemelhavam à vigílias de fieis de corações retorcidos pelo ódio das gentes mesquinhas de províncias renegadas de deuses e cheias de demônios antigos e domésticos.
Sabia ele se torturar muito bem também. Não ignorava que se não lhe tivessem sido infligidos tantos infortúnios inesperados para um homem de compleição tão citadina quanto a dele, não hesitaria sua imaginação de lhe pregar truques com os mesmos fantasmas de sempre. Secretamente, sabia ele, seu corpo regojizava no inesperado pontapé desavisado que ele desferia, amiúde, a um lagarto apalermado, e sua mente se contorcia feliz, em ganas de prazeres expansivos e tropicais, no seu lento labor de vingança contra as aranhas e suas moradas insidiosas em tramas intricadas para afogá-las e esmagá-las - com sorte, adivinharia ainda como queimá-las também.
Sua única posse e território dentro daquela casa era a singela mala de viagem que ele trouxera consigo e que guardava suas mudas de roupa. Enquanto ela permanecesse um reduto seguro, no qual ele poderia tocar sem medo nos tecidos, sem aventar pela possibilidade de aranhas microscópicas em suas cuecas, ele poderia ser feliz, mesmo que inconscientemente. Lá, ele vivia o biológico da vida, sua eterna contenda e vilania generalizada; seu ódio era indiferente e seria passado a seus descendentes se ele não fosse um desses homens de vida obviamente estéril.
Era uma distração inocente que lhe ocupava os dias, e, às vezes, dependendo do quão bem imergisse no jogo, era capaz de presidir sobre a vida e a morte dentro daquelas paredes brancas e cobertas de seda milenar e tóxica. Fazia breves incursões por todos os cômodos da casa, todos os dias, para manter a moral alta perante todos as pequenas facções dominantes de cada quarto e manter seus números estáveis, sem tentar destruir seus focos, apenas evitando sua difusão repentina para uma zona ainda não ocupada.
Ao mesmo tempo, mantinha a maior parcela de sua energia e imaginação para a sala de estar, onde, por razões a ele desconhecidas, logravam residência muito menos lagartos nas paredes descascadas e também não se encontravam armários para o reduto de insetos das profundezas do pesadelo cotidiano. Munido de um balde d'água, uma vassoura e dois panos e um par extra de sandálias velhas - com os quais se deparou ainda na chegada à casa, empoeirados, por cima de um tapete deslocado no lado da porta - ele proclamava guerras aos donos de direito daquela morada planejada pelos homens aos animais. Já tinha conseguido para si um pequeno quadrado onde antes ficava o velho sofá empestado de bichinhos horríveis e reduzira quase que todo o resto do cômodo a uma área de forçosa paz com os lagartos, que por ela transitavam, agora, apenas pelas paredes e não mais pelo chão. A mobília fora drasticamente descartada tendo em vista seu potencial de fortaleza para toda sorte de criatura macabra e enxame que pudesse abrigar.
Acabava por nomear alguma aranha, ou lagarto, particularmente mal encarado ou por demais estático, por alcunhas militares. Ele era um guerrilheiro nas montanhas ermas em que se encontrava. Seu outrora etéreo mundo de brumas e liláses dera lugar a uma terrível e preciosa quimera: uma guerra que ele jamais conseguiria vencer contra a própria natureza que lhe abrigava de pesadelos ainda mais insondáveis.
Qual não foi sua felicidade quando encontrou uma marreta - quase uma maça medieval - nas rápidas escaramuças por um dos quartos perdidos por ora! Pôs-se a correr pela casa e destruir tudo que julgasse inútil ou traiçoeiro a seus intentos modestos de uma habitação sem visitantes indesejáveis. Com esmero e paciência, e, há quem diria até, não sem uma dose de técnica espontânea, capaz de inspirar sentimentos elevados em quem a observasse em ação, ele caía por sobre o mobiliário incauto tal qual tomado pela fúria com a qual um teutão ansiava por tomar os deuses como seus pares. Destruiu armários velhos na suíte, se livrando dos escombros com auxílio de uma perigosa estratégia envolvendo fogo e álcool de uma pequena dispensa de bebidas que ele se deparara ainda outro dia, inesperadamente. O plano imbecil funcionava porque a vodka era barata, a cachaça era farta e mesmo o mobiliário original que ele tencionava reduzir já era bem modesto para que o fogo não se alastrasse pela casa contanto que fosse ele rápido o bastante para controlá-lo uma vez concretizada a empreitada. Investia também nesse tipo de tática, pois julgava que de alguma maneira isso devia afetar seus adversários inumeráveis, invisíveis e onipresentes.
- Eu vou queimar todos vocês e suas dinastias condenadas, ele ria em meio a pequenas labaredas caseiras. Seu único medo era o de sufocar, pois as janelas abertas não davam muita vazão a fumaça que se fazia. Mas depois do terceiro armário queimado e de uma cama de casal quebrada, seu furor pirotécnico arrefeceu. O momento da ofensiva passara e agora, apesar do quadrado de entrada da sala permanecer o único lugar no qual ele se sentia a salvo, já podia contar com um quarto (um quadrado nu, guarnecido por uma cama no seu centro - toda a distância possível das paredes e de seus passantes - que contava com o já mencionado colchão velho e o lençol furado) e um banheiro, que por algum milagre de uma deidade local e generosa, funcionava magicamente, apesar de não ter água quente disponível.
Ainda assim, as imagens de seres microscópicos, rápidos e indiferentemente impiedosos correndo por todos os cantos de sua visão o solapavam constantemente em seus cada vez mais frequentes devaneios e delírios vespertinos. Visualizava, sentindo uma certa mescla de pavor e graça, seus braços alvos diligentemente lavando os pratos certa noitinha, cantando uma singela canção, confortavelmente um tom ou dois abaixo do original, quando uma aranha se precipitaria de sua teia estendida desde o início dos céus, passado por algum pequeno e imperceptível furo do teto, para se propulsionar dentro de sua boca em desavergonhada abertura musical.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pequena reflexão sobre momentos íntimos

- É isso que você quer?
- Sim, é isso que eu quero.
A noite cai e pode passar mais cedo do que um sussurro. Qual a linha que divide tudo em seu devido lugar? Não é ela quem rege a noite e seus amores, mas sim, algum brilho vespertino na retina que alerta aos dedos para o perigo do que se toca quando não há mais luz.
E o perigo é ignorado em sua real natureza. Então, ele é apenas a face mais cristalinamente difusa do momento. Em que momento você se perde e ama? Isso eu não pude perguntar. Ele me abraçava e era bruto. Mas jamais pararíamos de competir. Um de nós venceria e feriria o outro para nunca mais nos vermos. Até lá, riríamos e seríamos adoráveis juntos. Como pequenas pessoas vivendo pequenas vidas de vidro. Preciosos.
Imprecisos no alto madrugada, nossos corpos erram pelas vastas extensões do lençol revolto, tal qual soprasse pela cama o vento que assola o sargaço mar dos trópicos. Não que haja o mistério em proporções tão pequenas quanto a vida privada dos panos e dos amores jovens, mas algo de naufrágio e refúgio salgava os beijos e tornava os toques ásperos. E isso nos fascinava até o fim das horas.
E nos cantos, nos nichos invisíveis das paredes, ardiam as velas. Algo antigo e cego que vivíamos sempre na noite. Eu não gostava do escuro nessas horas, mas era o jeito. Não podia me fingir de cego para o que poderia estar me aguardando na claridade. Qualquer coisa que me desagradasse.
Nos falamos por gestos e palavras que não significam nada fora do espaço delimitado pelo ritual. Somos crédulos quando amamos. E amamos quando amamos. Nada há de inocente e talvez queira-se inculcar culpa até nesses atos supostamente tão livres e caóticos. Paro de julgar quando me dão prazer?
O que dizia sua língua quando ela me provava no calor mais derradeiro desses momentos? E nos momentos de sonho quando meus olhos vem o negro do sono, mas sente o claro clangor dos corpos nos seus calos? Nada que eu pudesse levar comigo para um outro momento no qual eu precisasse de força e consolo. Aquele momento era aviltado de toda uma vida de recordação, mas nunca se acabava naquele momento em que ele era para sempre e nossos braços jamais se desencontraria no chamado da noite.
- Alguém me mata por debaixo dos lençóis. Era o momento que eu esperava desde o início. Era a forma que meu corpo sempre ansiou nas contorções de prazer e nos gritos de dor. Esse é o alívio de que lhe falei. Vamos embora. Adeus.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Pausa

Pausa
pequena pausa
momento de mestre
momento de gestos
mímica muda
soluço que engulo

- É só mais um dia
só mais um dia
só mais um dia
só mais um dia

Uma lesão
que força os ombros
que cresce no peito
que pesa as costas
e me joga na rua
e nos braços de alguém

- É só mais uma noite
só mais uma noite
só mais uma noite
só mais uma noite


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Hounds Of Love

Até aqui os cães incansáveis me levaram, ao farejarem um coração ávido de amor e outras emoções baratas. São quatro terríveis e brancas paredes que me encerram por detrás das cortinas e da porta, preso nesta que é a câmara mais final de meu momento: o quarto daquele que eu posso amar.
Que eu posso amar calmo, como quem se levanta da cama e se espreguiça com um certo prazer, redescobrindo as dimensões do próprio corpo; que eu posso amar como quem não quer se machucar, mas assim o faz; enfim, que eu posso amar como só que sabe amar trágico e furioso pode. Então, eu levanto meus olhos lentamente para ele e vejo suas costas arqueadas. Ele senta insuspeito na sua cadeira, confiante de minha presença e atração - o que mostra que, às vezes, não basta saber de algo para se estar certo.
Fui encurralado nesse pequeno e miserável quarto, deitado na cama desse homem que jamais me amará. Não importa quantas horas em areias verta aqui minha mais ima ampulheta a pulsar no peito. Não importando quantos anos meus olhos revelem de provas e prêmios; não importando os segredos e os gozos inauditos de artes ancestrais meu corpo possa ministrar nos segundos mais decisivos do sexo. É no abraço inexorável do meu fracasso eminente que eu posso amar e sofrer como quem tem um amigo no mundo.
Eu estou tão fácil aqui, apesar disso. É como se tudo isso que ainda vai acontecer me fosse muito antigo e claro, uma imagem impressa no cristalino dos olhos - eu todo me sinto como um mapa dos meus deleites e desprazeres ao longo do tempo, sou uma pessoa bem óbvia nesse particular - e eu sei o que posso esperar.
Comigo nada é simples: há sempre uma música, uma frase, um pensamento, em suma, uma arapuca elaborada para transformar as pessoas no que eu quero que elas sejam para mim. No caso em pauta, o homem que escreve diligentemente na sua bancada - e que, com certeza, são as mais belas palavras para uma outra pessoa... - ingenuamente tropeçou por todas as sendas que o fazem indispensável para mim agora, sendo o ápice de seu amor não o sêmen aspergido em glória divina, mas o desprezo e a inocência que o seguem. A inocência de ignorar o céu e o inferno que eu ergui em seu opróbrio por me ter infame e insignificante, de me delegar ao seu leito não mais do que as horas furtivas e oportunas das minhas carícias pesadas e abrasadoramente frias - o peso do cálculo e do plano, a minha fabulosa mnemotécnica da dor, a ladainha primordial de todas as primaveras do amor - e o de um risível abraço que nos enlaçaria até as primeiras horas da manhã seguinte. Como se tudo isso não fosse um grosseiro engano.
Ele pagará em minha imaginação todo o peso dos homens em ouro que já passaram pelo meu coração. Ele pagará a sina de minha mãe em todo seu desamor. Ele pagará, finalmente, os anseios vingados de um jovem nas ruas abandonado. Ele pagará e eu irei embora para nunca mais.
Temos hábitos diferentes. Não suporto a luz acesa após certo horário, aquela claridade alaranjada e insípida me irrita. Irrompo o rosto por entre as cortinas e vejo a noite tal qual ele sempre poderá vê-la, enquanto eu sei que essa me será a oportunidade derradeira.
Nada demais. Sim, mesmo na beleza e no desejo atendidos, nada há de redentor na saciedade. Vejo a noite e a escuridão que tanto ansiava e não me comovo, é como beber água quando não se tem tanta sede assim. Vejo um avião passando longe e penso em linhas e cores de uma música. É isso que ele me deu e que eu estava esperando. Muitas vezes eu já a tinha escutado, perdida na sequenciação de um disco longo e hermético, sempre a tomando como a mais enfadonha das faixas. Mas agora é ela quem pinta e adivinha meus passos nas noites que vão se seguir do meu olvido daqui e da vida dele. Sim Amelia, foi só um falso alarme.
Antes mesmo que ele olhasse para mim em desejo naquela noite eu já havia decidido o meu destino e o de meus pés. Seria eu sempre gentil e carinhoso, e o teria nas vistas como quem vê um grande e plácido amor estendido em planícies translúcidas e roxas, vastas e eternas - um amor leal e pesado, de uma singela queda bovina pelas coisas de sempre e seus encantos cansados - extensa relva na qual eu não posso me confiar sequer um mísero repouso, em risco de nela ser tomado pelas vinhas e me transfigurar em relva.
Porque eu amo com a necessidade de que um acorde se faz seguir por outro, com a sagrada e divina necessidade imbecil de que uma cor se sobrepõem a outra. Com o patético do desejo esvoaçante e adolescente que faz de um gesto e de um beijo um adeus mudo e amargado em lágrimas que eu não vou deixar você ver jamais - e não se trata de orgulho, isso eu lhe juro.
E com essa cegueira eloquente eu amo você como quem antevê a véspera do fim do mundo e só você como o anti-fim do mundo, como a saída. Como o único trilho possível a se seguir.
Então vem um milagre, depois de um mês ou dois de sofríveis pinturas rupestres em letras e nomes, vem o milagre de alguém novo por quem sofrer e perseguir com graça e silêncio, indelével, mas imperceptível, sem tomar muito espaço. Como quem ama para salvar a si mesmo de algo que pode surpreender por entre as folhas nos jardins que são todos os arredores numa madrugada deserta e imóvel numa rua próxima de casa, enquanto passam as prostitutas e me cumprimentam amigáveis - só quem é capaz de se dissimular inofensivo e digno inspira tal coleguismo de estranhos na noite, mas por toda a gama de razões possíveis.
Haverá um novo caminho, um novo homem, e mais uma mortalha que eu desfiarei todas as noites que serão naqueles fatídicos dias, todas as noites de minha vida. Cada amor é mais uma pele morta que eu tiro de cima de mim com franco espanto. Com uma exclamação muda que se eu externar, pode me fazer chorar.
O pranto copioso nunca me fez bem. Prefiro andar sozinho e pensar em nuvens e mulheres, em como um se torna o outro e como um canta o outro, até que eu chegue em casa e coma ou durma. A marcha dos cães cansados que me trouxeram até aqui, farejando meu medo e minha carência, foi sempre para me levar de volta para casa. Talvez, tenha manhã um dia no qual eu possa realmente me aventurar, não mais subir as conhecidas alturas estagnadas dos planaltos do amor fácil e espelhado de sempre, e me apaixonar de verdade e incendiar os meus mais antigos campos e prados, não mais ser um servo da terra e olhar para o mundo, enfim, como quem o vê feito do mais imaterial e desenha nas nuvens o destino dos dias e das coisas que caem pelos seus olhos como pequenos acidentes de um percurso desconhecido, gravado e expresso no seu sangue.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

The Dreaming

De novo. É a mesma casa e é a voz da meia-noite que fala comigo e por mim. Ela mesma que falou pelo meu corpo convoluto em pranto. Volteava a meia-noite naquele dia que eu chorei nos braços dele, sem ele, mas apesar de seu contato tosco e opaco. Era ela que sempre imprimiu a marcha solitária de meus passos não andados. E ela que me fazia agora levantar e deixar o novo leito.
Será que eu irromperia, dramático, nos braços de meu amante, após um lapso esteticamente apropriado de tempo considerando visões cristalinas vazias pela janela da sala? Não, eu simplesmente faria aquilo que sempre marcou os meus amores que eu temi: sentiria no tato das mãos dele o áspero da lixa que me raspa o morto das mãos e me erode pouco a pouco, como se eu fosse geológico e antigo.
Quando agora sou mais novo do que nunca; no que há de mais meu e superficial, que revele o antigo que, por tanto tempo, correu e me sedimentou em rios de areia, canais secos e áridos, onde vida nenhuma crescia...
- A porta se abre. Há um inseto morto sob o meu braço. Mudei o cenário.
Mas agora eu volto a meu amor imaginário, nessa noite em que não sinto o seu abraço erosivo. A corrupção do amor e do sangue naquilo que chamo primitivamente de vida. Na sua mão encontro os mais breves e tácitos segredos. Nas mãos do meu homem, nem que seja meu  só por uma noite apenas, eu encontro o futuro que eu destruo, clandestino, todos os dias. Minha crueldade chinesa.
Sobre qual linha de vidro quebrado equilibrarei meus pés nessa mais árdua travessia das agruras cotidianas? Que tom de roxo nublará os meus sonhos e delírios até serem todos eclipsados pela glória de minha derradeira queda no que há de meu imo e que me petrifica; meu coração são os olhos de Medusa. Com eles impressos no meu escudo, afasto os inimigos indesejáveis - paro os outros eu me cego, sou minha própria esfinge.
- A porta se abre um pouco mais, lentamente, como se a vida tirasse prazer de me amendrontar. Tenho medo confesso e fecho a porta. Mas é tarde de mais, eu vi o rosto no escuro da minha sala, no coração da minha casa. no círculo mais íntimo do meu banal. Tudo desmorona agora, tudo é fantasia e escuridão no sussurrar do ventilador e no tilintar das persianas. É o medo do Deus que me consome em ganas de fúrias e deleites vespertinos ceifados no gozo da antevéspera. Tudo pode acontecer, o Rei está morto. É o reboco do mundo pego em suspeita e inacabado.
- Por mim, dentre todas as pessoas do mundo. Os cães me seguem, uma matilha ensandecida pelas matas cinzas e asfaltadas. Para despistar o destino, jogo meus sapatos na água. Agora, corro e me machuco. O medo passa, o mundo volta ao normal. Volto ao meu amor e seus dedos de lixa.
... que me lixam os pés tão bem e lentamente quanto fazem com as mãos? Quanto sangue secreto eu verto na língua de um gato, se ele me banhasse como quem visse um duplo num espelho, como quem tivesse nos olhos um intricado jogo de espelhos que reduzisse dois corpos a um só?
Sonho e realidade se mesclam, seus filhos são os deuses mais terríveis. São legião. Eu os chamo "mistério" por reverência e ignorância. Tenho medo, mas já não é o pavor de antes, aquele congelar de ossos triunfal que vem de antes do tempo e de seu todo. Vem antes dos prazeres escondidos da infância, vem antes do cheiro de homem que me cativa.
- Por qual voz eu falo quando não me conheço e tudo caí de uma só vez? Isso tem uma imagem e não é uma só, é um vespeiro. Não. É um formigueiro que escraviza os vizinhos e coloniza o que há dentro das paredes, em conluio com os ratos. Os sonhos dominam o subterrâneo da vida. Me perco em minúcias de perspectiva.
Acabou. Posso voltar ao meu calmo idílio de mar turbulento. Porque o que não se chegou ainda a conhecer é menos terrível do que o que não se presta a tal exercício. Entre as sombras e os deuses, Platão quis mancomunar com os últimos, mas caiu na rede dos primeiros.
Será que sangro com o duro das mãos de meu amor? Como que meus beijos tivessem do ferro o gosto extraído do meu sangue. Que imagem terrível, mas sem a necessidade daquilo que de fato é terrível - os deuses mudos.
Não consigo mais voltar ao meu primeiro caminho. Despertei do pesadelo no meio do seu caminho. Sem o feitiço do sono ele não me assusta mais, mas ainda não posso dormir, há algo errado que eu posso surpreender em meu quarto  e talvez eu tenha que descobrir o que seja antes de me deitar numa cama outra
- Voltou. Eu sinto no calor do pé, mas ele não sobe. É como se minhas veias tivessem sido entupidas de carbono o bastante para envenenar o medo. Eu venci? Não, nem mesmo a derrota também. O medo vence pela eterna contenda que ele instaura. O medo é uma música que ninguém escuta quando vê um filme. Ou quando dorme abraçado com alguém. Enfim, é uma ótima companhia para a sua morte, pois ela se põe à sua direita, enquanto a outra vai pela esquerda.
Isso não tem que fazer sentido. Eu tenho é que sobreviver e sentir o fluxo. O momento ideal em cristal que me pôs aqui para isso. É maior do que tudo isso e cabe no espaço em braco entre duas palavras, ou no espaço entre as curvas das letras.
Passou. Eu acho. Acabou enfim até que volte. Até lá, eu terei me enrolado mais uma vez nos
- Um novo e terrível som. É o som do além-do-mundo. O após os dias dos dias que vivo. Não há canção para as horas mais negras nas quais as hordas do mundo cru, do mundo sem homem, surge e me carrega sem que eu saia de minha cadeira gasta. Eles me levam por seus dutos escuros e úmidos, abafados e suas mãos são todo o chão que rala as minhas costas e pernas, enquanto eu grito, interrompido, no nó de minha garganta muda. Eles me levam, pequenos, até o santuário profano que eu não tenho como descrever.
- Não é humano. Nele acabam todas as artes e fés, toda a filosofia e mnemotécnica da dor. Lá vivem os deuses em seu império sem dor e nomes. Os deuses são bestas cegas, são vacas sagradas que me olham negros e absolutos em sua graça abestalhada e bovina.
- Podem me devorar, mas não fazem nada que eu possa dizer que saiba o que é. Eles não podem me tocar. Eles querem, então, que seja eu quem me mate. Pois senão eu também seria um Deus. E eu jamais saberia ser uma vaca. Tenho que dar um fim nisso, mas a pressão das correntes é súbita e desaparece. Logo, ela volta e eu já sei o que eu estou pensando e não posso - ainda tenho esperanças de dormir de novo.
Voltar ao primeiro lugar da infância. Ao tempo do grande medo do mundo e dos monstros - que sempre eram todos os monstros - e ver o reboco e a poeira do mundo que morre a cada dia. Que eu mato a cada dia, como quando matei homicida o eu antigo que eu era e que tinha que morrer antes da hora, para que um outro eu mais novo e melhor pudesse viver. E não se surpreender vendo a serpente-mundo trocar de pele. Crepuscular sensação que me toma ao considerar vivas todas as coisas ermas desse mundo de brumas.
- E tudo começou como uma brincadeira inocente, sabe? Eu só queria um beijo dele e achei que me satisfaria com isso. Mas eu não sei me apaixonei, eu não sei como eu funciono com isso. Ainda mais agora. Nunca tive o bastante para ser um inocente, acho que sou idiota apenas, como quem não sabe o bastante para saber algo, mas mais do que o que se precisa para não sofrer quando vem a dor. Eu não. Eu penso.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Melancholia

Algo do toque dele na minha pele me incita a imprimir suas marcas em meu corpo. Me esforço para de alguma maneira conservar o seu cheiro por cima do meu. Meus braços se movem e ajustam o peso do meu corpo em relação ao dele. É um lance preciso e de uma candura desajeitada - nem tudo está perdido.
Tirar do amante o que mais se deseja: o prazer dele, e não o seu próprio. A crueldade em se pintar nos recantos mais íntimos do que é alheio, em deixar pistas de si mesmo no prazer do outro. Saber fazê-lo ouvir no sibiliar surdo da meia noite a única voz que eu posso imitar e chamá-la de minha e secreta.
Nossas mãos se entrelaçam e caso eu me visse, diria que eu o amava. Mas ninguém sabe de nada depois do sexo, só se vive a calmaria da necessidade cumprida. Tudo que eu tinha eram alguns dedos estranhos emaranhados nos meus, num lugar bem longe de casa. Se eu podia estar tão longe de casa é por que talvez eu já não tivesse uma, como quando a tenho num abraço furtado a essa luz tão fortuita e desonesta, que faz os homens mais frios acreditarem na doçura e feminilidade de um sentimento estúpido e suicida.
Toco de maneira displicente pelo seu corpo e sinto a flacidez da saciedade, da volúpia presente sub-repticiamente nos momentos de preguiça e que só agora se revela na mais ávida cupidez. As cores que dançam nas sombras das luzes e panos no anoitecer me mostram todos os homens que sempre foram até o fim dos tempos em dunas farfalhantes de areias em alturas esquecidas pelos que lhe antecederam. É o segredo da humanidade que se vislumbra no fim do amor - o fim de toda a vida, a vitória final sobre a morte na indiferença do gozo e do sêmen desperdiçado, incapaz de fecundar esse mundo estéril de prazeres puros e inocentes: o mundo tem seus próprios planos sobre o que tem que acontecer e como, e eu me revolto por estupidez e pouca idade. Os contornos femininos da juventude e seus arroubos ímpares de paixões doentes que recitam ídolos caídos antes de falsos - um delírio, um último namoro de infância, antes do grande cinismo que permite a uma pessoa que ela se ligue a outra e até que não mais.
Desfruto, indolente, de um fio de saliva que desce delicadamente de minha boca cansada. Limpo-me na pele temperada de vida que é a dele, em seu ombro, disfarçando com um ligeiro beijo. Olho-o imenso e dócil, como uma grande criança, como se não viesse jamais a saber sobre o duplo do amor e todas as suas posses e territórios de atribulada manutenção - eu ainda posso ir embora de mãos limpas e sem ter perdido nada, ainda não jogo com esse requinte, mas isso não tem como se saber muito ao certo.
Não sei como ele ama: seus gestos, seus segredos, seus gostos. Ainda não lhe extraí o que há de mais subterrâneo em seus caminhos muitos, e nem tenho essa grande ambição. Minha vontade é a de apenas encontrar no seu calor o de um porto seguro, onde eu não possa me acidentar nas rochas que se escondem sob a revolta do mar azul e profundo. Sempre terei medo do mar como quem se põe diante de um deus inclemente e todo-poderoso. Sou um macaco religioso diante do mar, mas eu lhe dou as costas e me volto à terra firme para desfrutar das criaturas que se rebelaram há muito contra o seu império e constroem agora a hecatombe final para mandar-lhe em vingança - o gosto amargo e lacerante que se apoderará da garganta do deus mar quando enfim refizer seus todos os domínios das suas legiões rebeldes e caídas em olvido; triste gosto que porá fim aos meus delírios, mas isso já faz muito tempo que está previsto para além do fim dos dias. O mundo acaba antes do fim dos seus dias.
Sou simples e tenho fome. Pego o que eu quero sem precisar de nada além de alguns passos entre as sombras da noite. Fosse esta a minha casa, teria medo de surpreender seus fantasmas, mas como não é o caso, não temo aquilo que não terá alegria alguma em me atormentar o trajeto rápido em direção à cozinha. Muito mais do que a surpresa, é a percepção da grande violência que é algo como o "cotidiano" que nos faz tremer perante algo extraordinário. Ninguém olha para as suas assombrações e as entende - são apenas visões do que já se passou em seus olhos. Muito da inexorável criatividade do acaso deve se perder nessas reduções. Quem pode descobrir um abismo no meio da sua cozinha sem tropeçar num velho parente falecido, ou num espírito de coração desassossegado como o seu próprio?
Volto para o quarto, mas não sem antes me deter na janela da sala. Todas as luzes estão apagadas, mas meus olhos se param numa janela qualquer, num outro prédio em frente. Numa janela um pouco mais alta do que na que me encontro, sei que alguém me olha. Se fosse de dia, ou se a casa fosse minha, se eu me sentisse dono dessas ruas e dessas terras, eu teria medo, porque esse olhar era algo incrivelmente gratuito, com um gosto metálico do aleatório envolvido necessariamente nisso. Mas agora sou um triste exemplar de homem - eu quase faço sentido no desgaste do amor. Quem me visse, me acharia cansado e são - uma combinação redentora afinal.
A exegese da espécie por fim. Seu derradeiro fim que sinaliza. Pessoas felizes e a aurora do ocaso de toda uma espécie e de um triste planeta, cujo único infortúnio foi o de nos ter abrigado sobre o seu solo por tanto tempo. Mas deve haver algo como justiça agora - que deve, porém, se aproximar mais com uma concepção cítrica de humor do que com algo tolo e símio como justiça, mas me urge antropomorfizar o universo. Talvez o homem que eu amo seja uma estrela distante, ou um sol que se foi há muito tempo, mas cuja luz ainda pode bater no rabo do meu olho e no escondido da minha alma.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Estou sentado no chão, minhas costas contra a parede do armário. Eles falam entre si enquanto eu brinco com o plástico da ponta dos meus cadarços. Sobem amiúde formigas pelas minhas pernas descobertas e eu as esmago com uma indiferença que me dói. Lembro que na infância não hesitava em comê-las - pesa-me a falta dessa ingenuidade, agora que esse meu silêncio e consternação são um sinal de cálculo e medida.
Rio discreto de uma piada que nunca ouvi. Mas conservo o sorriso bobo mesmo assim, de graça - não consigo sequer lhe tributar uma utilidade nessa pequena e instrumental economia gestual à qual me presto neste momento.
A pessoa que não me interessa de todo se dirige a mim com forçada amabilidade. Não que ela não queira realmente saber minha opinião sobre o assunto, quando não menos do que muito há pouco eu vocalizei particular interesse. É apenas uma questão de gestão das relações sociais imprevistas: tem que se suprimir o terceiro elemento indesejado - mesmo que sob a pena de integrá-lo ao círculo.
Falam de algo que eu desconheço, mas cujo contexto me permite um pequeno adendo conciso e mordaz - não quero muito mais do que isso agora, seria perigoso. Ainda mais quando estar em tão aguda alteridade ao meio me abre mãos de mais altos transportes.
Posso facilmente não estar lá. Ser pequeno e discreto é algo que me une tão bem nessa minha suposta dualidade de corpo e mente. Tenho também minha juventude e suas marcas no meu rosto. Tenho essa pequena liberdade de me rapinar a consciência. Por que? Porque é "o meu jeito". Sim, nada mais certo do que isso, tenho certeza.
Basta. Falo um pouco mais e sou idiota. Erro flagrantemente e meu espetáculo degringola a olhos vistos. Não tenho muito mais o que fazer a não ser recolher os cacos que sobraram e ir para casa, mas eu ainda tenho uma pequena chance de ser inesquecível, de não derrubar a bile de meus lábios nos tacos do chão. De não decantar minha poeira sobre os móveis, de me fazer imprescindível mesmo que pelo meu silêncio. Imagino alguma conversa, alguma tema que me permite a fatal expansão do amor e do doce. Mas não posso, só falo assim comigo mesmo e com aqueles que acabaram mais cedo do que essa tarde. Essa tarde durará por mais uns meses de sim, não e outras perniciosas indecisões indecorosas - até lá, porei minha boca e mãos em trabalhos mais virtuosos.
Antevejo a véspera de algo novo na esquina dos olhos com o mundo. Pisco e vejo o ônibus chegando. Vou para casa sem maiores explicações sequer para mim mesmo. É um primeiro passo que pode ter um desfecho mais grandiloquente do que eu pretendia, mas esse é o risco que toma. Ocupo-me do que posso por ora.
A cidade está quente e abafada- é verão e fim de tarde. Mas algo em mim anuncia a batida lúgubre de um inverno em noite e brumas de outrora. É hora de me relegar ao Sol como quem saúda um fantasma da boa aventurança de outras terras no além mar. Queria ir para o além do mundo, mas ainda não posso.
Repasso o que eu disse e o que disseram, talvez, para calar o som daquilo que eu acho que poderia ter dito. Um exercício fútil e irresponsável, o que não lhe diferencia em nada daqueles que nutrem nossos músculos e sedimentam nossa pele em força, por mais óbvia que seja a mnemônica da dor neles envolvidas - a eterna apologia da fraqueza a si mesma que a impede de se sentir como a força que poderia ser. A ausência de uma sombra sequer de modalidade num pensamento como esse requer um tempo melhor empregado e canalizado do que o de agora. Agora é hora de ir para casa e dormir.
Um amigo me espera sem que eu o saiba, mas acudirei ao seu chamado porque não mais penso direito. Tenho de ocupar muitas coisas durante o meu dia. Se antes o coração, agora o ouvido e a língua - estou pronto para agir, mesmo que apenas in loco. É uma brincadeira, e dessa vez, no mau sentido da coisa

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Não quero que voe uma acusação da minha boca, mas é tão difícil quando se está nessa posição. Só nela eu consigo abrir os olhos e ver que sempre foi difícil, por que não podem meus lábios o mesmo? Posso pensar que seria diferente, mas aí o jogo pára. É melhor assim.
Podia dar um toque qualquer, um colorido aqui, mas até que alguém entenda tudo, isso só parecerá o transcrito de um pensamento suado e pesado, de tato áspero e prazer raro. Como alguém quebrado em dois, cujo brilho no olhar desfocado reflete o espelho partido formado por seus membros desencontrados - antecipo a pergunta, como quem fala por cima da música.
Cinza e algo de doce em tudo isso. Eu posso não perguntar por ora. Eu ainda tenho minhas músicas e livros, minhas brumas; e eu posso não entendê-lo também. Tenho que aprender a extrair alívio disso, mesmo que meus punhos golpeiem pedras. Mas não estou mais à salvo, sou caçado por algo que chega por de trás das árvores. E eu não paro jamais, tenho medo. Se não fosse o medo eu não teria nada.
Nada. Medo é tudo que eu tenho, e não o carrego, pelo contrário. Eu o deixo por aí, como quem brinca de que pode esquecer, mas eu sei. E então eu me afio nele.
Disponho do meu corpo todo, nu, mesmo com roupas, e utilizo todos os músculos que posso soerguer nesse bravo e enfadonho esforço. É quase como sexo. E depois eu sinto um certo asco de mim mesmo. Eu vivo por esse desprezo, sentir das minhas palavras o fel por tê-las produzido. Nunca soube sonhar, mas sei me carregar com um misto de ódio e amor que me entretém por ora.
Cada lâmina fina e fria que o medo fez ser a minha pele. Eu corro. É sempre para fora, como o grito horrível das faces que crescem por cima de cada máscara sobreposta até o fim que não há. O medo me é imanente, eu sou o medo intransitivo e atroz, e sou terrível no meu medo, com uma sem-clemência que emociona os mais fracos e passa por cima dos mais fortes. Mas todos tem alguma coisa assim, só que a minha é esse medo, que por fim, não é nada.
Eu porto a máscara e a marca, se alguém me lesse, me diria um proscrito da vida e dos homens, mas poucos o fazem e consigo ser feliz. A música pode acabar a qualquer instante e eu ainda estou aqui, sentado com os olhos vagos e os braços caídos no colo, os pés nos tacos.
Tem um canto para o qual eu olho - para onde eu posso ir se eu não parar de olhar para lá? - como quem tem um canto e nele esquece do mundo e vira pedra. Uma escarpa majestosa um dia eu posso ser sobre o mar, se eu chegasse perto do Sol e com ele escurece as doces mortes que trazem as ondas ao mundo dos homens.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Foi

Quero que me calem a boca
O abafado da voz encava em mim
as câmaras que sempre foram e grotas
após as chuvas de todos, se eu me deitar
corre por mim o rio e me faço leito
Além do átomo, duas vezes, um dia
eu chego ao mar e bebo o sal

Até hoje o amor foi difícil
e eu nunca quis muito mais do que isso
meus lábios em granito
pó sai e abafa o mundo
que me é pisado dos pés
Antigo, rejeito o antídoto
sou bobo e bebo o tempo todo

- O través de um dia inteiro em que eu não durmi