sábado, 30 de abril de 2011

Uma pressa e urgência que no cerne imo do momento
o congelam e o definem em medos e desejos cegos
algo caiu num plano anterior que o reverbera por inteiro
ele então também cai desfalecido, ninguém o podia
com tanta propriedade como ele então o fez
e por isso talvez, ao fechar dos olhos ele pense
no desvelar das pestanas sobre os ombros pálidos
e agradeça por tudo de belo que ele furtou de um saber
que não o dos homens que se encerram finais sob o solo

Marcha

Com um gosto mal-lavado de manhã na boca,
ele parte sem considerada discrição para a rua
sabe que o olham e o julgam com olhos cheios
que se refletem no argênteo sorriso de vitória
suspensa em goles de glória aspergida,
essa é a resposta à vida estéril que lhe exilou

Pois vive nas horas primeiras desse dia,
o fim do que lhe precedeu e lhe desnudou
em lençois estranhos e lhe disse "não"
entre beijos e rasgos em mãos e lábios
em funérea expansão do desejo ao risco
de ser gasto em ganas de garras à pele caras

Mas é só um intervalo, uma fortuita apnéia
pois na marcha compulsória pós-noite morta
a abertura que o toca também o impele
a tomar não mais o conhecido rumar
e ele volta para casa tão conformado no desamor
que ele olha para janela, em busca da distância
[e se deságua com uma violência e audácia,
que não muito costumeiramente, ele dispensa
não para o nada e ninguém, só para si]

sábado, 23 de abril de 2011

Sem condicionais, sem desculpas
eu olho para tudo aquilo que eu deixei para trás
como um reino perdido em heras esquecido
e nele me aventuro sabendo que o nunca mais lá se esconde
tão cedo eu o reneguei ao lá entrar e fenecer
a distância dos dias aos dias que fizeram uma vida dentro de outra.
Parto nú envolto em panos e nomes de papel
Tenho predicados e certezas, tenho um endereço.
Tenho tudo aquilo que achava indigno possuir perante
à grandeza que eu clamava por ser a liberdade.
Eu abraço o passado negro e deito na relva e
me dou por vencido. Penso enfim ser possível
esquecer a leviandade de outrora e partir
de onde eu nunca estive para onde eu nunca irei
sem jamais voltar para onde eu sempre estarei.
E à cada noite, cuja outrora inaudita ternurafinda,
se dá por esvaída em meus olhos brutos
e eu sou todo massa e um calor tão característicos,
que eu devia ser estudado como a coisa que me tornei

Como um isso que sempre traz a mesma história
que sente a vida retroceder alarmante para depois
lhe quebrar nas costas em solavanco abrupto
só para lhe dar a esperança de um nunca mais

Porque nunca me disseram que pode-se ser feliz e sofrer
e que tudo pode se dar como se quer e ainda assim
posso me achar pequeno e alvo imolado à uma paixão
que pulsa e me deixa tão longe de onde eu estava

Mas sem uma antes. E tampouco há ver um depois.
sem tempo, sem linha, sem nada que o clarão do Sol
que perpassa a carne de meus dedos de unhas sujas
possa me ocultar do maciço do meu interno.

E eu poderia matar essa paixão, como quem se mata aos golinhos
com medo de ferir algo que se esconda além da vida viva
e só quer na suspensa apnéia, se viciar no ar de um folêgo roubado
e dele fazer éter e ascender aos mistérios próprios de quem ministra
os anos com o saber sádico de que eles não passam

sábado, 16 de abril de 2011

Redemoinho

E me definir não mais sargaço
mar sem orlas, cuja areia das praias
teria então por grãos os aquilos que me são
com cada onda me trazendo um pouco
do mar do que não é, até que em capricho
emerge em mim e me permite afirmar
que, inescapavelmente, eu sou
até que o vento me leve
e me faça dele a sua voz mais forte,
até que, por capricho, não mais
e em quede em pó das nuvens até o mar
gigante incógnito e sargaço.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ruptura

E na mão dele
eu soube me partir
não mais em cacos
de opaca porcelana
mas sim, em estiletes
de agudas pontas
e não mais viver
tal qual cálice levado
aos lábios outros lavados
por cinza e tabaco
por fim ser
prisma perdido e sagrado
a repartir a Lua e as luzes
em cores que só as criaturas
baixas e sujas como eu
têm por íris e nuvens

Operação

É aqui que eu faço a incisão,
esta é a artéria, esse é o local
um corte e então o sangue,
se esguichando até sair a linfa
e talvez, se eu for fundo o bastante
até o imo cerne da carne
e com assepsia irrepreensível
eu me inocule milagrosamente
disso
e jogue fora o que restou,
junto com as luvas
e os demais instrumentos
obviamente descartáveis

domingo, 10 de abril de 2011

Porque não há uma música ao fundo
e uma mão de dedos corridos nas cordas
e uma voz a me ecoar os passos
que quando eu falo aquilo
que eu mais anseio - sai tudo sem som
e eu não sei se consigo distinguir meu timbre
entre tantos aqueles que clamam
pelo mesmo destaque do burburinho
rumo à confissão nua e civil
numa mesa qualquer
bebendo alguém refratado num copo
de vidro

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Enfim, a comédia

Acabou e eu rio solto,
sabendo que a cada gargalhar
um pedaço de mim pode cair
e eu quebro tão fácil, tão frágil
que nem quando eu me amo
e ponho a mão minha entre as dele
e elas me engolem certas
tanto quanto eu estou de que eu
me parto ao meio no amor,
e só me gosto quando me adivinho
perto do fim de mais um eu
que não durou mais do que um desejo

Birds Rising

Os pássaros arrevoam,
e a ela não resta outra pergunta,
mas ele não responde,
canta-se próximo e bem alto
enquanto eu passo e todo o instante
ganha um peso e um ar
que se eu não puder suportar
eu deixo de acreditar que as coisas
e os dias possam ter um sentido
E lá vão os pássaros, e nada pode mudar
o fato de eu ser um homem para sempre
e eu nunca ver o mar senão no que eu mergulho
e jamais aquele sobre o qual eu poderia existir
enfim leve e findo, pronto.

4 meses (Pt. 2)

Desistir? Jamais, ela continuava
e ele estava lá atrás.
Fazia sentindo pensar em vitória?
Seria esse o derradeiro agouro?
Sob que signo cometeria o crime
e cessaria essa dúvida vista em passos
quase léguas, distantes e estrangeiras?
Jurava como alguém e já não tinha nome
só estava lá e tentava vencer a própria derrota
e ele caiu, e Deus, isso já faz tanto tempo
que a saída agora é fugir de si mesmo,
pois as ondas agora sobem e o mar já não é
algo belo que permanece e resta
não, ele bate como ressaca e lhe traga
e ele sorve a dor como quem se afoga
e expira a vida primeira pelas guelras...

Reflexão 2

Ele corre, as cores passam
o chão escorre e algo se esvai
Algo precioso já não mais o é
Mas não, ninguém olha,
é sujo e cadáver
semelho ao cru caráter,
e ninguém pode lhe dizer para onde
ou para quem? Não e só.
Talvez uma placa, um número,
ou o cosmo numa barata,
enfim algo sujo e pequeno
que ele possa nele se esconder do lar
e falar ao medo, como quem fala ao amante
e não lhe temer os segredos do leito

Reflexão 1

As vezes que eu me traí, que eu me matei sufocado
em éter na mordaça mais diáfana
e eu ainda me atrevia, sonhava
eu lhe chamava "me salve!"
Hoje à noite, esta noite, nessas noites...
E saber ainda que eu lhe devo tanto
porque eu nunca me dava a você
eu só me jogava fora
e agora e que eu posso fazer de um agora?
Deus, o que eu ja pude acreditar que eu podia?
eu saio e deixo um então aqui, largado
para nunca mais

sábado, 2 de abril de 2011

Tragédia Grega

Então de súbito, tem-se todo um arredor
e ele pode procurar por uma parede,
mas só há aquilo que ele não pode tocar
e as vozes o torturam nas sombras
tal qual penosas sirenes no seu horizonte
Ele percebe, ao fim, depois de muitos anos
que já não há mais porque ser mártir
Mas é claro, ele não tem motivo
para daqui fugir, tão logo eu me
externo do escuro e estendo braços
alvos de olhos e fomes, e com isso
lhe estendo todo um mundo que
pulsa em postas e irrompe nos sussuros.
Em algum lugar desse mundo toca
alguém um sino, lembrando a todos
o caminho até o portão dos jardins.

Órganon

E se eu visse todos vocês,
enfileirados, categorizados,
alinhados, taxonomizados,
não acho que me seria mais fácil,
pois o fantasma que mais
me assombra o sono
é que aquele que ficou de mim
em cada recusa e despedida
que não dei por mim,
em nome de um nós
que se desata e ninguém nota

4 Meses

Se ele quer algum luxo,
ele escolhe o outono
e os matizes de roxo
Mas ele está cansado
(já não mais acredita
que ela um dia foi real)
e não se lembra que
já desceu a ladeira
mais de uma vez,
então ele quer uma escada
como uma só uma agulha pode
perfurar a mais profusa escuridão

Universal

Eu rezo,
reze você também
e a vida passa a ter
um pouco mais de ritual.
Se eu chorar
e você também
enquanto rimos por dentro,
finda-se a fanfarra
dos atores no púlpito
e podemos ir para casa,
livres enfim da Salvação

Compromisso

Joguei fora minhas velas,
meu incenso e meu espelho
e até meus livros
Tudo que tenho agora
é uma foto, a qual faço mapa
para escapar do labirinto.
Assumo-me agora feiticeiro
em minhas imas fronteiras
e venço a distância que
os dias e fúrias separaram-me,
geométrico, em vértices

Vespertino

Certos dias e noites, caí uma chuva implícita
enquanto outros sequer se iniciam
entre eles, algumas pessoas dançam em círculo
em castidade pagã
Não aprenderam a tentar mais do que podem
Já outras tomam seu café,
e olham pela janela
qualquer coisa que ali não está
por puro hábito

Welcome to the room... Sara?

Prostrado de joelhos, ele mira as escadas
encarando a realidade dos dias que passam
e são vivificados em sonhos porque
ele acha que viver pode lhe ser demais
Abdica então de uma vida de
segredos e boatos e fatos
e existe por mitos e mágica
E tudo passa a pesar tão menos
que ele acha que pode se tornar
pequeno o bastante para nunca se acabar
e ser punido por suas transgressões

Reverb

Se eu um dia quisesse fazer música
sem voz e cordas e letras
você notaria no olhar meu
que a melodia lhe impele a sair?
sentiria a cadência que quero
imputar nos passos seus
ao dizer que à sombra da meia noite
é apenas a mim que escuta?
Então vá e não me toque
pois o que eu lhe toco agora
já não passa de um eco