quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Quimera e o fim

Sempre ao meu lado, meu único perene cultivo na mais outonal das primaveras que se fazem nas folhas passadas de minha vida, é a arte que me sustenta e me dá nome. Quando depois de tanto tempo, de tantos calos que me fiz, de tantos poros que me abri, de tantas sensações que me contorcem em todas as metáforas possíveis e me levam para o mais da felicidade plena, de tantos nortes e de tantas bússolas partidas em ouro e fogo, foi que eu pude dizer chega? Ah, porque agora se fez a última música e a última peça para essa alma que se reflete no preto e branco das páginas de qualquer livro ruim, de qualquer memória boa e forte, que se dá para a sinceridade declarada das grandes coisas do mundo - e nesse mundo falo do além da morte que não faz sentido estipular fora da própria vida - e que vive sem nenhuma necessidade de verdade e de desejos, que vive tão bem quanto respira e pinta a cada passo que dá e a cada farpa que lasca do coração, cuja casca se apodrece nessa mais atual estação - é você então, a luz dos astros e sua distância que condenam o meu tão-certo errar? Mas qual o deleite e para quem? Pois sim, o é se há a arte!
Eu parto agora para o meu sempre anunciado e cálido nunca-mais, para o fim das prescrições, para o ocaso de uma moral! Porque eu sou pequeno e acabo aqui mesmo, onde dá nos olhos e onde o vento me entra pela boca e tem um gosto todo especial, eu que me queimo na luz do Sol. Eu aprendi uma vergonha versada, um ardil mais sutil, o vértice do agridoce e múltiplo resplandecer na artificialidade, eu aprendi a andar de noite na rua.
Filho do meu século, da minha cidade, do meu sexo, do meu intelecto - mas não da minha paixão! Eis que dela eu já me despedi, por mais que eu lhe volte os olhos durante o dia - é preciso ainda crer no tempo para se achar que há algo como uma volta depois dessa ruptura, mas por ora isso basta. É noite em um meridiano invisível no mar azul e só e quem pode se enternecer com a sinfonia cheia dos ventos nas rochas encarnadas das chapadas? Ora, eu vivo na luz roubada da Lua, emprestada, de favor; porque eu sou um miserável declarado e dissipo nessas horas, no meu mais agudo desprezo a mim, a força que eu imperei sob o meu corpo e roubo dos filhos meus a loucura que tentam as mãos anônimas dos dias me subtrair, só porque não sou mais criança.
Mas o que são esses motivos, esses pequenos e curtos temas e fugas, para quem contempla a presa no se apossar do amor e adivinha os nomes primeiros de todas as cópulas? Dissolvo a pergunta na aurora, e creio chegar a resposta nos raios que se me despontam no horizonte, por isso eu durmo e faço arte pelas manhãs. Para esquecer que há algo mais ao qual não devo nenhuma gratidão, nenhum alívio e que me faz parte de um mistério, pois é o pecado meu, aquele de erguer na arte os pilares de um pudor e ritual que me lançam às cavernas. E aqui é tão úmido e sem conforto! que eu acho que não quero me mexer por algum tempo - será que só eu, às vezes, não consegue achar mais paz do que quando na boa consciência de que está no lugar do errado, e com a cabeça deitada num chão pedregoso - eu, que às vezes, gosto de subir até as nuvens e tecer outras para ninguém, como se esperasse um balonista para me sequestrar, a sereia e a viúva-negra

Nenhum comentário:

Postar um comentário